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15.7.10

CRÓNICA DA SEMANA (II)

ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO

Já lá vão uns anos. O cão de estimação daquela senhora havia sido morto por uma matilha de cães. Só quem já teve ou tem um cão sabe da relação que se estabelece entre ele e o seu dono. Não era diferente naquele caso. A senhora ficou moralmente desfeita. Sem saber que fazer ao cadáver, a dona telefonou para a câmara municipal, perguntando o que devia fazer. A resposta foi breve e precisa:

- Enterre-o ou ponha-o no contentor do lixo…

Uma resposta de gelar a alma de quem fizera da afeição ao cão um dos valores da sua vida. E foi esse estado de aflição que deu à Rafaela Dias uma ideia económica. Uma empresa para tratar dos funerais de animais de estimação. Um projecto que haveria de ganhar o reconhecimento da comunidade empresarial, ao distinguir-se num concurso de projectos organizado pela ANJE – Associação Nacional de Jovens Empresários.

É natural que os factos relatados gerem duas reacções opostas. Para aqueles que amam os animais, sobretudo os que tudo nos dão sem nada pedir em troca a não ser estima, um sorriso de contentamento. Para aqueles que entendem que o reino animal é o Homem e mais nada, um sorriso de desdém. Acredito bem que estes últimos serão muito poucos já. É um sinal de desenvolvimento civilizacional o modo crescente como vamos respeitamos os direitos de todos os seres vivos, animais ou vegetais. Caminhamos para o ponto, porventura ainda longínquo, em que nos veremos, a nós próprios, apenas como uma fracção da unidade, essa sim absolutamente respeitável, que é a Natureza. E, por isso, respeitadores da fracção restante que não somos nós, sabendo que desrespeitá-la é contribuir para o nosso fim. Um crime que teria a sua gravidade equilibrada com a diferença de inteligências entre nós e o resto.

Cada vez mais, encontramos pessoas disponíveis para acolher animais em sua casa, numa atitude que tem tanto de responsabilidade como de satisfação. Recordo-me de que, na primeira vez que fui a França (Paris), já no longínquo ano de 1968, fiquei espantado com a quantidade de pessoas que passeavam um cão. Por cá, na cidade, era raríssimo encontrar um só par assim. A minha cidade de hoje assemelha-se a esse Paris longínquo. E o facto deu lugar a uma actividade económica que é já extremamente significativa. As rações, os acessórios de conforto, os hotéis para animais e a actividade veterinária de clínicas e hospitais preenchem um espaço económico relevante e são produtores de numerosos postos de trabalho. É, em suma, uma actividade económica com peso no produto nacional. Embora sem acesso a números estatísticos – uma pecha nacional, esta, a da falta de estatísticas que permitam um retrato fiel da realidade – não me repugna computar em alguns milhões de euros o que hoje se produz neste sector. O qual deveria merecer a atenção dos poderes públicos. Que não existe. Por exemplo, e embora cheirando a heresia nestes tempos de dificuldades orçamentais, não hesito dizer que já deveria ter sido contemplada fiscalmente a situação dos animais domésticos. Há, pelo menos, um aspecto em que a detenção e cuidado de animais de estimação tem interesse público, o sanitário. Mas deixemos este aspecto. É outra a causa que me traz aqui hoje. A ética no tratamento das necessidades dos clientes por parte dos agentes económicos que procuram satisfazê-las, num segmento deste sector, precisamente os funerais e, dentro destes, os realizados por cremação.

Só há, verdadeiramente, em Portugal e no sector privado, três fornos destinados à cremação de animais de estimação mortos. Um na Maia, com a sua origem na citada ideia da Rafaela Dias (http://www.quintadequires.com/). Outro em Cascais. E outro em Beja. O LNIV, Laboratório Nacional de Investigação Veterinária tem um ou avariado ou sem capacidade de resposta. A Câmara do Porto também já teve um que, ao que consta, avariou e não foi reparado. Na falta de resposta pública para as necessidades, quem pode – a cremação de um cão morto, por exemplo, pode custar entre 150 e 300 euros – recorre aos fornos privados. E as câmaras municipais suficientemente conscientes para não mandarem os cadáveres para os aterros sanitários usam os serviços privados também, pagando cerca de quarenta cêntimos por quilo de cadáver. A existência desta procura de cremação deu lugar a uma perversão económica, para não lhe chamar batota. Surgiram “crematórios” mais ou menos artesanais, que aquilo que fazem é triturar os cadáveres, até redução mais ou menos a pasta, secando a pasta depois e dando como cinzas o pó seco resultante. Estes últimos, e só estes, têm a possibilidade de responder aos baixos preços pagos pelos serviços públicos. Os quarenta cêntimos não dariam para a energia necessária a uma verdadeira cremação.

Olha-se para o relatado até aqui e vê-se a existência de uma possibilidade de ganho excepcional para agentes envolvidos no processo a quem os escrúpulos não incomodem muito. Imagine-se que eu sou intermediário no funeral. E que o dono de um cão acabado de morrer vem ter comigo para lhe cremar o cadáver. Eu ofereço o serviço e digo-lhe quanto custa, ao preço de uma verdadeira cremação. Ajustado e cobrado o serviço com um cliente que, de fragilizado, nem discute o preço, eu faço aquilo que é o simulacro de uma cremação num dos tais “fornos” artesanais, ao preço dos amendoins. Isto, se não for ainda mais perverso o comportamento, e acontecer o cadáver ser entregue aos serviços públicos a custo zero. As cinzas são inidentificáveis.

Estou mesmo a ouvir o meu Leitor a murmurar: “a este, deu-lhe para escrever romances policiais, desta vez”. Todavia, isto acontece. Como fica provado com aquele caso em que o dono do animal morto, tendo sido informado aonde estava prevista a incineração, ali se dirigiu para reclamar as cinzas do respectivo que, todavia, ali não dera entrada nem viria a dar. Como todos os comportamentos deste jaez, de vender gato por lebre, sendo fonte de rendosos proventos individuais, este também causa prejuízos económicos gerais notórios. Ninguém ganha mais do que o justo sem que outro perca. E, sobretudo, inviabiliza economicamente empresários sérios que julgam ter, nas suas ideias e nos seus projectos, um valor acrescentado que, contudo, os desonestos se encarregam de destruir. Interrogo-me se comportamentos como os descritos são, também, um sinal de avanço civilizacional. E, sobretudo é um insulto ao carinho que alguns dão aos seus animais de estimação. Um carinho que, também cada vez mais, vai para além da morte do animal. Assim, se verdadeiramente quer dignidade no fim da vida do seu animal de estimação, o melhor é precaver-se e ver com os seus próprios olhos.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 15/7/2010

1 comentário:

Anónimo disse...

o cao e basante fofo
sandomil