OS FRUSTRADOS
Mais do que a grave situação económica do país, o que verdadeiramente aflige e causa a insegurança do país é a permanente frustração das expectativas. Será até mais justo dizer, a frustração e contra-frustração que vivemos no dia-a-dia. Pega-se nos jornais de fim-de-semana e vemo-las em todas as páginas. Aí, pensamos: “bem, estes são semanários e, por isso, trazem-nas todas ao mesmo tempo”. Mas não acontece tal. Pela semana fora vamos assistindo ao mesmo. E, dia após dia, vamos sentindo que nada do que seria esperável acontece. Mesmo, como sucede no caso das contra-frustrações, elas correspondam a boas notícias. Estamos à espera de que algo corra mal e, zás, corre bem. O descrédito sucede, a desconfiança cresce e ficamos logo a pensar o que é que vai suceder no dia seguinte que nos vai deixar frustrados. Repare o meu caro Leitor numa mão cheia, que colhi a-vol-d’oiseau:
- Esperávamos que Freitas do Amaral não se metesse nas eleições presidenciais. Depois do seu inicial desvio pela direita do nosso país, arrimou-se à esquerda, onde parecia ir ficar até ao último sopro. De súbito, ele anuncia: “o Cavaco é que é bom”. Sentimos estremecer as nossas convicções. Que estará mal? Nós ou ele? Ficamos párias de convicções. Uma dúvida nos assalta. Estará ele a fazer isso para abalar ainda mais a confiança dos portugueses num segundo mandato seu presidente? Será ele um submarino? Mas isso de submarinos é mais de Paulo Portas, não se espera tal de almas impolutas. Abalados pela dúvida, nem conseguimos adormecer meia dúzia de noites.
- A comissão de inquérito às potenciais mentiras do primeiro-ministro à Assembleia da República consegue provas. Pelo menos é o que diz, gravemente, um dos seus membros. E, quando esperamos as consequências disso, a comissão recusa as provas e diz ela própria não se sabe se uma meia verdade se uma meia mentira: o Primeiro-Ministro sabia, disse que não sabia, mas não sabemos nós se mentiu ou não. Dificilmente se alguém conseguiria uma quadratura do círculo tão perfeita. É porque não é porque é e seguramente não é. Já não se trata de dúvidas, trata-se de loucura. É na loucura que nos refugiamos. Sempre podemos dizer para nós próprios: não entendes mas não é por seres burro, é por seres louco.
- O primeiro-ministro come figos ao pequeno-almoço. Dos caros. Provavelmente da Índia ou algo assim. Até aqui, nada de mal. Cada um come do que gosta. Erradamente, toda a gente pensa que todos os figos provocam diarreia. Não é assim. Os figos da Índia provocam exactamente o contrário. Isso, prisão. Diz a ciência alimentar. Parece que, finalmente, encontramos algo que não nos frustra. Erro. A diarreia de explicações que, a propósito do caso, cai sobre a opinião pública é um jorro. Então, das duas, uma: ou os figos não são da Índia e são autenticamente nacionais ou alguém ficou indevidamente com parte do preço. Bolas. Estou a dizer a mesma coisa por palavras diferentes. A prova da insanidade que nos (me) provocam as permanentes frustrações que vivemos. E esta vai dar lugar, não tarda nada, a uma contra frustração. É que a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos decidiu apresentar queixa-crime contra a contratação de Figo para um pequeno-almoço. E, seguindo o trend – uma palavra de luxo que quer dizer “tendência” – das últimas acusações do género, vai ser irremediavelmente arquivada por falta de provas. Bem à moda do jogador, finta, contra-finta e golo. Um golo de café com leite a custar a módica quantia de cento e cinquenta mil contos. Caramba! Por esse preço, até eu marcava golo, nem que tivesse que marcar um penalty de cabeça. E ninguém me convidou! Tripla frustração.
- Partimos, para a África do Sul, cientes de que íamos reconquistar o Adamastor. No primeiro jogo, empatamos com a Costa do Marfim. Grande frustração. Parecia que estamos a dobrar o Cabo Bojador. Os cronistas habituados a jogar com os pés afirmam: “não dizíamos nós? O Queirós é uma besta!”. Sentimo-nos envergonhados. Alguém que não saiu frustrado neste negócio. Mas vem o segundo. Esperávamos ver-nos gregos contra os coreanos. Sete a zero. Contra-frustração. O Cabo rendido a nossos pés e o Adamastor transformado, de novo, em Boa-Esperança. Os mesmos cronistas de atrás voltam a pronunciar-se: “não dizíamos nós? O Queirós é bestial!”. Voltamos a sentir inveja. Pelas mesmas razões. Já não se podem fazer prognósticos com a equipa portuguesa, a não ser os cronistas entendidos no jogo de pés. O Brasil que se avenha. Nós já lá estamos! A não ser que suceda a contra-contra-frustração. Provavelmente, vamos encontrar a Espanha. Mas como eles andam tão frustrados como nós, pode ser que, desta vez, ganhemos nós.
- Morre Saramago. Aí, esperamos que tanta gente que dizia mal dele pelos corredores, abrisse agora, quando ele já não podia responder, as goelas para dizer alto o que antes diziam baixinho. Frustração. É um coro de elogios fúnebres. Frustração. A gente já nem sabe o que esperar. O homem foi sempre muito pouco simpático contra a sua pátria. Isto é, se é que ele a tinha. Comunista não tem pátria, é internacionalista por vocação. Nesse aspecto, nenhuma frustração. Ele sempre foi muito coerente com as suas convicções. Tanto que, no momento em que recebeu o prémio supremo, exclamou: “o dinheiro é meu!”. Coerência absoluta. Sabem quem usa dizer “o que é teu é também meu, mas o que é meu é muito meu”, sabem? Isso. Nenhuma frustração, portanto, por essa banda. A dos outros, sim. Até do Presidente. Quando a gente esperava que, na linha da aprovação do casamento gay, ele surgisse no funeral a fazer o elogio fúnebre, ele faltou. Frustração total.
- O chip necessário para as SCUTS era grátis. Duas semanas depois custa vinte e cinco euros. Inflação de infinito por cento. Só não digo que é mais uma frustração porque, neste caso, é roubo. E ser roubado é coisa que, felizmente, esperamos todos os dias. Jamais sairemos frustrados dessa expectativa.
Fico-me por aqui ou, hoje, precisaria de duas páginas do jornal. E vou passar a ler as estatísticas que dizem estarem a baixar as expectativas dos portugueses com outros olhos. Até aqui, lia isso e pensava: “as expectativas dos portugueses quanto ao futuro são cada vez piores”. Agora, quando vir isso, vou pensar: “as expectativas dos portugueses quanto ao futuro são cada vez menos”. Para não se sentirem uns frustrados.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 25/6/2010
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