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15.6.10

CRÓNICA DA SEMANA (I)

CARTA A UM HOMEM

Conheço-te há mais de meio século. Ensinaste-me muitas coisas. Principalmente quando, juntos, fizemos coisas. Estive contigo no Oliveira Júnior. No Orfeão de Matosinhos. No Comércio do Porto. No Matosinhos Hoje. Mas, mais do que aí, foi quanto estivemos juntos em Matosinhos, que eu aprendi contigo. Aprendi a sonhar. Aprendi a ser livre. Aprendi a ser independente. Aprendi a ser solidário. E acabaria por aprender que um Homem, quando tem um sonho e verdadeiramente acredita nele, pode deixar pelo caminho o sangue, o suor, as lágrimas, os cabedais, a saúde, o Tempo, mas não desiste dele. Nunca. Só cederá se todas as forças se combinarem para derrotar o sonho e forem superiores às próprias forças. Pode o teu sonho ficar pelo caminho, Amigo. Mas, com o que ensinaste, fizeste com que eu ficasse a sonhar também. Ficasse a sonhar que, um dia, as pessoas vão saber o erro que foi não acreditar no teu sonho, como tu. Ficasse a sonhar que, um dia, vai ser possível ter a honra à frente dos interesses patrimoniais e não ser derrotado por isso. Ficasse a sonhar que, um dia, as pessoas vão ver com clareza o que é que derrotou o teu sonho. Ficasse a sonhar que, um dia, as pessoas vão saber que o que ditou a derrota do teu sonho foi a ambição sem limites e despida de pudores honrados de gente que nem sequer merece este nome. Ficasse a sonhar que, um dia, Matosinhos vai ver, com clareza, a tua dimensão de matosinhense e o muito – tudo! – que deste para engrandecer a tua terra. Ficasse a sonhar que, um dia, vai ser possível ser verdadeiramente livre sem temer que os tiranos nos queiram mandar flores para enfeitar o caixão antes do tempo. Tantos sonhos que eu tenho em função do que me ensinaste, meu Amigo!
Houve, em tempos, uma frase que fez carreira cá no burgo. “Em Matosinhos não importa quem faz, o que importa é que se faça.”. Hoje, à distância, vejo toda a hipocrisia que morava em tal frase. Só servia quando permitia abrilhantar os galões dourados de quem se julgava o senhor de todos nós. Tu fizeste e não querias brilho pessoal. Tu fizeste e não buscaste galões por isso. Tu fizeste uma obra pesadíssima, sustentando sozinho o peso da obra. E, em lugar de te ajudarem a pegar nela e a tratá-la com carinho, pelo imenso valor que tinha para a nossa comunidade, pregam-te rasteiras sucessivas e ficaram, do alto do palanque, a ver quando te estatelavas. Como estavam, como estão enganados. Porque o teu sonho pode ter sido traiçoeiramente derribado, Amigo. Mas a patine do Tempo encarregar-se-á de mostrar a tua estatura de gigante junto desses pigmeus. Talvez, nessa altura, te ergam uma estátua de agradecimento. Sem notarem que será tarde. Não para ti, que serás imorredoiro na história da nossa terra. Mas para o teu sonho, que querias sobrevivesse a ti próprio.
Como matosinhense, como português, como homem, sinto ter a obrigação de me curvar respeitosamente perante ti e a tua dimensão. E de dizer que estarei aqui, como sempre, para o teu próximo sonho. Sonhadores como tu, mesmo que acordem de um pesadelo, depois de esfregar os olhos uns segundos, voltam a fechá-los e voltam a sonhar um sonho novo. Obrigado, Amigo.

Magalhães Pinto, em MATOSINHOS HOJE (último número) - 15/6/2010

1 comentário:

Anónimo disse...

É triste este apagamento...
Ficar reduzidos à outra voz, que não sabe falar...
De cada vez, vamos ter mais dificuldade em identificar o nosso Matosinhos...
Saudade, é o que sobra...