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2.6.10

CRÓNICA DA SEMANA (II)

INFLAÇÃO, PRECISA-SE

O meu escrito de há uma semana atrás motivou alguns leitores a comentar o seu conteúdo. Excelente, na medida em que cada opinião enriquece o debate sobre as medidas que podem ajudar-nos a cumprir o maior objectivo imposto aos portugueses neste momento: sair do “buraco” onde caímos. Houve, naturalmente, Leitores que estiveram de acordo com a perspectiva que adoptei – reduzir salários ou aumentar o tempo de trabalho sem remuneração adicional – determinada, essencialmente, por um pensamento fixo. Parti - e parto – do princípio de que, se pudéssemos desvalorizar a moeda, a gestão da crise interna tornar-se-ia mais fácil. Muita da quase impossibilidade de reequilibrarmos as nossas contas advém da nossa proverbial falta de competitividade. E esta é, de um modo quase unânime, associada à baixa produtividade dos nossos factores de produção, designadamente o capital e o trabalho.
A maior parte das observações feitas pelos nossos Leitores estava respondida no próprio artigo. As discordantes, porém, tinham por pano de fundo a situação ao nível do emprego. Mais tempo de trabalho para quem se encontra empregado significaria trancas à porta de entrada no trabalho da legião de desempregados que temos neste momento, cerca de 700.000. É verdade que tal tenderia a suceder num primeiro momento. Mas não devemos perder de vista que quem está desempregado está, que não podemos resolver tudo ao mesmo tempo e que a oportunidade de empregar quem não trabalha só pode advir do crescimento económico. Razão pela qual optava por criar condições ao crescimento económico, ciente de que, se este acontecer, os desempregados arranjarão trabalho.
Continuando a ter presente uma necessidade de desvalorização da moeda, raciocino, hoje, noutro plano. Tendo bem presente que
- a “nossa” moeda é, hoje, o Euro;
- o Euro não é só nosso;
- por isso, não podemos desvalorizá-lo independentemente dos outros.
Estes pensamentos conduzem-me a um outro. É que, se o Euro é uma moeda comum a um conjunto de países, é a situação económica e financeira do CONJUNTO que deve determinar a política monetária, que deve justificar a desvalorização da moeda comum. O que gera um conflito aparentemente irresolúvel, porque enquanto a desvalorização favoreceria alguns dos países desse conjunto, é natural que desfavorecesse outros. Sem explicações adicionais, a desvalorização favoreceria os países economicamente mais frágeis e desfavoreceria os fortes. Não sendo resolvido o conflito, os países mais fracos perderão a guerra do equilíbrio. Mas a irresolução do conflito quer dizer que, no interior do CONJUNTO dos países que usam a mesma moeda, não existe verdadeira solidariedade. Ou que, para que ela se manifeste tem que acontecer o que já aconteceu com a Grécia – o pronto-socorro – e vai acontecer provavelmente com Portugal e, menos provavelmente, com a Espanha. Aliás, os mercados estão a encarregar-se de colocar o comboio comum nos carris, ao desvalorizar o Euro significativamente e com persistência.
Mas há um outro modo de desvalorizar a moeda. Seria ele o de existir uma inflação significativa nos países do Euro. É verdade que a inflação faz subir os custos monetários e, por isso, o custo nominal da produção. Mas, numa primeira fase, enquanto os factores de produção ajustam o seu preço à inflação, há uma efectiva desvalorização da moeda e, por isso, um ganho de competitividade nos mercados que regem as suas transacções por outra moeda. Foi, aliás, isso que aconteceu em Portugal, nas crises de 1976 e de 1983. A inflação seria, assim, uma forte factor de reequilíbrio, por potenciar aquilo que, em última análise, é o único factor de equilíbrio a médio prazo, o crescimento económico, neste caso através das exportações para o mundo que não tem o Euro como sua moeda. Se é verdade que muita da crise actual teve uma génese puramente financeira, não é menos verdade que a perda de competitividade derivada da perda de produtividade monetária, esta associada à profunda desvalorização conhecida pelo dólar em relação ao Euro é uma causa mais profunda e, porventura, mais determinante.
Claro que a inflação tem consequências perversas. Uma delas é reduzir, com vigor, o nível de vida no interior do espaço que usa a mesma moeda. E aqui, naturalmente, os mais fortes não estão disponíveis para reduzir o seu nível de vida para ajudar os mais fracos. E surge, outra vez, forte e indesmentível, o corolário de que ou há, no seio do CONJUNTO que usa a mesma moeda, uma solidariedade indestrutível ou o problema é irresolúvel para os mais fracos, a não ser com o dito pronto-socorro financeiro. Que, ao fim, nada resolve se não provocar o crescimento económico no seio dos ajudados.
Ter em conta todos os efeitos de uma determinada política monetária é muito difícil, nestes tempos de globalização e interdependência verificada a nível mundial. Mas devemos centrar-nos no essencial. Os países em dificuldades têm necessidade de um forte crescimento económico para superarem as suas dificuldades actuais. Para isso, precisam de ganhar competitividade, algo que é afirmado quase todos os dias pelos nossos responsáveis. Há duas vias para ganhar competitividade. Uma pelo propalado desenvolvimento cultural, científico, tecnológico. Outra por intervenção no valor da moeda respectiva. A primeira demora gerações, uma pelo menos. A outra produz efeitos quase imediatos. E, com toda a franqueza, creio que os países em dificuldades dentro da zona Euro, a começar pelo nosso, não têm muito tempo. Assim, com toda a ingenuidade de quem nestas coisas e face às grandes cabeças que governam a Europa, incluindo Portugal, entendo que precisamos da inflação. Sem medo, ao nível dos dois dígitos. Sendo que há um modo de a produzir artificialmente. Injectando moeda nos países em dificuldade. O que a Europa deve fazer sem medo, sob pena de estar a expulsar do seu seio os países mais fracos. Dando mostras de egoísmo nacional indesmentível. Perante o qual ficaria (ficará) bem egoísmo idêntico dos países em dificuldades, abandonando o Euro sem tergiversar.
Sem cuidar de analisar agora responsabilidades – e haveria muitas a apontar, no caso do nosso país – a questão a colocar à Zona Euro é: inflação (no sentido em que isso é desvalorização da moeda) ou dinheiro, que nos querem dar? É que, como país pequeno, concorrendo ainda com as economias emergentes, não nos safamos porque elas tem a sua moeda muito desvalorizada.
Tenho muitas dúvidas sobre qual será a resposta da Europa num caso destes. Pelo exemplo da Grécia, parece que optam pela segunda alternativa. Só que eu tenho muitas dúvidas sobre se a resposta continuará a ser essa, no caso de as necessidades irem muito além do que já foi previsto. Solidários, solidários, sim. Mas essa de sustentar a casa do vizinho permanentemente custa muito a digerir. E já não falo na eventualidade, sempre presente no nosso caso, de ao dinheiro para aqui a enviar suceder o mesmo que aconteceu ao que já veio desde que aderimos à Europa: desaparecer num poço sem fundo.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 2/6/2010

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