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27.1.11

CRÓNICA DA SEMANA

MÃOS À OBRA

O candidato a Presidente Manuel Alegre disse, na última semana de campanha, que as eleições do último Domingo eram um caso de vida e de morte. Creio que ele falou, verdade aos Portugueses. Com efeito, depois da clamorosa derrota que sofreu, Manuel Alegre morreu politicamente. Depois de duas derrotas, com a votação anterior substancialmente reduzida, com o Bloco de Esquerda a lamentar-se pela má escolha do candidato, com o Partido Socialista a lamentar-se escolha das parcerias, Manuel Alegre acabou. O que, em minha opinião, é o epílogo correcto para aquilo que foi a sua a vida. Com efeito, não basta alguém dizer-se guardião da democracia para que as pessoas corram atrás dela. É necessário fazer funcionar a Democracia em favor do Povo. Sem esse complemento, o serviço ao Povo, Democracia em um conceito vazio de conteúdo. E Manuel Alegre sempre usou o conceito vazio.

Descontente com a sua classe política, os Portugueses que votaram escolheram para seu Presidente o candidato que lhe pareceu mais sério. Cavaco Silva, disse-o e escrevi-o eu muitas vezes, é um homem estruturalmente sério. Merece, por isso, os parabéns de quem espera seriedade na política. Como é óbvio e parece ter ficado evidente para a maioria dos Portugueses, ele não tem culpa que uns quantos, que ao longo do tempo se foram resguardando no guarda-chuva que a sua credibilidade oferecia, tenham decidido molhar-se. E, melhor do que eu, sabem isto aqueles que foram para a rua insinuar a sua eventual desonestidade. Não vou ao ponto de dizer, como ele, que todos os outros haveriam de nascer duas vezes para serem tão sérios como ele. Alguns haverá que se podem acolher com o mesmo carimbo. Mas, para a grande maioria, a expressão usada colhe.

Muitos disseram haver um fenómeno preocupante no resultado destas eleições. O da abstenção. Um pouco mais de metade dos portugueses entendeu que os políticos não mereceriam sequer o desgaste das solas originado por uma deslocação às urnas. E, numa primeira aproximação, eu também pensei assim. Que era preocupante. Mas foi sentimento de curta duração. Foi só até ouvir o discurso do Presidente eleito no final dos resultados apurados. O tal discurso que muitos julgaram desnecessário, politicamente incorrecto, recheado de alguma dureza. Aí, os meus sentimentos inverteram-se. Até que enfim, alguém optava pelo politicamente incorrecto. Até que enfim, alguém chamava os bois pelo nome. Até que enfim, alguém preferia trazer ao nosso conhecimento a verdade do seu pensamento, em vez de nos dourar pílulas de sal de azedas. Foi então que me lembrei da história da garrafa meio cheia ou meio vazia. Pese embora a situação real do país, designadamente no domínio económico e social, metade dos portugueses ainda não havia desistido. Não é muito. É só metade. Mas, caramba, nós já fizemos mais com menos!

Vistos com estes olhos, os resultados das eleições traziam boas notícias. A linguagem meramente política tinha sido derrotada. Um modo sério de estar na política tinha saído vitorioso. A conclusão do silogismo é fácil. Aqueles que esperam seriedade na política ainda não desistiram. Ainda julgam que é possível. E, ao agirem como agiram, não só indo dizer quem queriam mas também ao escolherem quem escolheram, tinham feito mais pela salvação do país do que aqueles que já só acreditam em que não há remédio. E isto são boas notícias. São tão boas notícias que, logo a seguir, em vez de se dizer que “era inevitável que Portugal recorresse à Europa e ao FMI para se reequilibrar”, se começou a dizer que Portugal “corre o risco de ter de recorrer à Europa e ao FMI para se reequilibrar”. Uma diferença subtil mas profundamente significativa.

Dir-se-á que o Presidente não tem grandes armas para esgrimir. O que, até certo ponto, é verdade. Os poderes do Presidente para mudar Portugal são mais passivos do que activos. Mas há algo que o Presidente pode fazer. Algo que a sua experiência governativa – a mais rica disponível – pode e deve justificar. Ele pode – como aliás prometeu naquele seu notável discurso de encerramento das eleições – falar verdade aos portugueses em todas as circunstâncias. Tendo em conta que, se o fizer, tem, provavelmente, três quartos dos portugueses disponíveis para o ouvir. E, se assim for, então os desmandos governativos tiveram, no passado Domingo, o seu canto do cisne.

Acresce que mais boas notícias se vieram juntar a estas. Com efeito, naquela que foi eventualmente a sua mais marcante afirmação no pós-eleições, o líder do principal partido da oposição, Passos Coelho, afirmou ser necessário “mudar estruturalmente de modelo”. Fica-se na dúvida se se refere apenas ao modelo económico que tem governado o país ou quer também abranger o modelo político. Foi pena não ter sido mais claro, para se enquadrar na tónica inaugurada pelo Presidente. Mas mal irá se não estiver a referir-se também ao modelo político. É que a verdadeira reforma, a urgente reforma, a realizar no país é a do modelo político:

- Reduzindo o número de políticos remunerados;
- Aumentando os poderes presidenciais, de acordo com a legitimidade democrática;
- Caminhando para a descentralização/regionalização do país;
- Criando obstáculos à manutenção do poder por parte de suspeitos de abuso;
- Agilizando a Justiça;
- Dignificando as agentes de Educação;
- Protegendo os necessitados e SÓ estes.
- Fazendo do Trabalho o valor social mais precioso.

A Esquerda já percebeu que podem estar em curso grandes mudanças do modelo político. Percebeu-o a partir do resultado das eleições e do discurso final do Presidente. Por isso está mobilizada, na Comunicação Social, num contra-ataque feroz. Do Partido Socialista ao Bloco de Esquerda, todos estão ao ataque. Retomando os temas que enfeitaram a campanha dos seus candidatos. Para mim, não preciso de maior confirmação de que estas eleições e os seus resultados colocaram o dedo na ferida. Com dor.

Como resultado de tudo isto, creio que se abriu uma janela de esperança. Uma réstia só, mas de qualquer modo, uma réstia de esperança. Faltará agora encetar a caminhada. Há cinco anos para regenerar Portugal. Líder há. Agentes também há. Não falta que fazer. Falta apenas pôr mãos à obra. Vamos.

***
P.S. – Não sei se os Portugueses estiveram atentos à nobreza do discurso final do candidato Fernando Nobre…

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 27/1/2011

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