REDUZIDO A CINZAS
O pandemónio instalado no sector do tráfego aéreo mostrou quão frágil é a nossa organização económica. Veio, aliás, confirmar aquilo que a crise financeira disparada em 2008 já havia dito. Ao paralisar dezenas de milhar de voos e ao deixar em terra alguns milhões de passageiros, tudo numa escassa semana, as cinzas do vulcão islandês disseram mais sobre a globalização do que um seminário com todas as grandes cabeças pensantes do mundo económico poderiam ter dito. A angústia generalizada – de operadores aéreos e seus clientes, todos em resma – mostrou bem a dimensão dos danos causados: de uma grandeza com paradigma apenas no tipo de economia que instalámos e na qual parece querermos viver. E tal angústia podia (pode?) ainda sem bem maior. Bastaria, para tal, que o vulcão em actividade não tivesse começado a amansar e/ou o adormecido vulcão seu vizinho tivesse entrado em actividade.
Dois avisos muito sérios ocorreram, pois, no curto espaço de dois anos, de modo a alertar para o quadro em que se desenvolve a globalização económica. A crise financeira e as cinzas do vulcão islandês. Só que, sendo iguais nos seus efeitos profundamente perturbadores da actividade económica mundial, há uma grande diferença entre as duas situações. A crise financeira poderia ter sido evitada por acção humana. Bastaria, para tanto, que as autoridades supervisoras tivessem convenientemente, e como lhes cumpria, fiscalizado os operadores. Um pouco como agora parece estarem decididos a fazer. Mas a crise cinzenta não poderia – nem nunca poderá – ser prevista e pré-controlada pelos humanos. É mesmo bem provável que o acontecido nesta última semana volte a repetir-se. Havendo mesmo, para os mais analfabetos na matéria, como eu sou, um medo irracional adicional. É que, com a frequência inusitada de terramotos recentemente acontecidos, parece que este planeta no qual habitamos se revoltou contra os maus tratos que lhe damos e derrapou, subitamente, para um estado convulso que, a existir, abrangerá, mais tarde ou mais cedo, a actividade vulcânica. Dizem os cientistas que a vida quase se extinguiu na Terra, há para aí uns setenta milhões de anos, devido ao impacto de um meteorito gigantesco, o que terá dado origem ao levantamento de nuvens de poeira que obscureceram o Sol durante um largo período. Oxalá tenha sido assim. Porque podia ter sido, exactamente, um fenómeno idêntico ao actual – actividade vulcânica assinalável – embora de maior grandeza. E, se isso tivesse assim acontecido, nada nos permite excluir que não volte a repetir-se.
Não é, porém, necessário chegar a tais extremos para concluir que a globalização económica, se trouxe alguns benefícios à vida das pessoas, também comporta riscos elevadíssimos de lhes transformar a vida num inferno. O acontecido com a crise financeira já todos conhecemos. Falências. Recessão. Queda da produtividade e da procura. Desemprego. Aumento de impostos. Dificuldade na gestão financeira dos entes económicos. De uma maneira geral, pesado sofrimento moral. Com a crise das cinzas vai acontecer mais ou menos o mesmo. São inevitáveis algumas falências. É impossível que o desemprego não aumente. Foram perdidas milhões de horas de trabalho. E, o que é notável, apenas por uma semana de paralisação do tráfego aéreo de, para e na Europa.
Só é verdadeiramente burro quem não aprende com a experiência. O verificado e acima revisitado nem sequer são as únicas ameaças. O aumento do terrorismo. A progressiva deterioração do clima. O crescimento, infinito se diria, da complexidade dos fenómenos económicos globalizados, a instalar impossibilidades de controlo e prevenção, a multiplicação dos desempregados e o surgimento de legiões de insatisfeitos com o rumo dos acontecimentos, tudo parece apontar para que este fenómeno da globalização tenha os dias contados. Ainda não chegamos ao momento em que surgirão, vigorosos, os nacionalismos e em que assistiremos ao renascimento das políticas nacionais proteccionistas. Mas quando os países, alguns países, forem confrontados com situações internas muito próximas do caos económico e social, elas surgirão. E, com o sue surgimento, adeus globalização. Os mais cépticos, relativamente a este ponto de vista, dirão que foram já criados nexos de interdependência globais que afastam a hipótese de retrocesso. Mas a crise das cinzas trouxe à tona um pequeno pormenor muito significativo. Um pormenor que mostrou, com evidência assinalável que os padrões de comportamento dos agentes económicos, mesmo aqueles que foram sempre voluntariamente assumidos, tendem a alterar-se em momentos de crise profunda. Vale a pena recordar. As companhias aéreas sempre têm sido paradigmáticas quanto à segurança do seu labor. Segurança antes de tudo, sempre disseram elas. Pois quando a crise cinzenta já levava uma semana, começámos a ouvir vozes, oriundas dessas mesmas companhias, discordando das razões de segurança que haviam conduzido ao encerramento de espaços aéreos e aeroportos. Isto é, no desespero da causa, as companhias aéreas mostraram-se disponíveis para correr mais riscos do que é em si habitual. Pois bem, tal comportamento é muito mais esperável de todos os agentes económicos do que habitualmente se pensa.
Ao resultante de catástrofes, naturais ou de humana acção, há-de somar-se a ausência de líderes políticos de qualidade suficiente. Um fenómeno que nem sequer é exclusivamente português. É como se com os políticos se passasse o mesmo que usa acontecer com a moeda metálica realmente valiosa. A má moeda expulsou definitivamente a boa moeda. E se as coisas sempre serão difíceis com bons líderes, tornar-se-ão impossíveis de gerir com os maus.
Mas, se eu tenho razão neste raciocínio, então urge começar a pensar num novo modelo económico. E, como sempre sucede nestas coisas, pensar um novo modelo implica começar a agir, antes, segundo um novo modelo. Temos, porventura, que revisitar o passado, rever os sistemas económicos acontecidos ao longo da história e procurar aproveitar de cada qual o que cada qual teve de melhor. Sendo seguro que a globalização, tal como está a acontecer, é um extremo. E todos os extremismos devem ser rejeitados. Reduzidos a cinzas.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 21/4/2010
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