A MORTE DE UM SÍMBOLO
Li, com tristeza, num jornal do fim de semana, que estão prestes a cair no desemprego cento e noventa trabalhadores da empresa têxtil Sampaio & Ferreira, de Riba de Ave. São os últimos das largas centenas que, durante décadas, encontraram ali o seu trabalho. Mais do que a falência de qualquer outra empresa têxtil, a desta deixa-me a certeza de que o sector está acabado em Portugal.
Creio que, mais do que em qualquer outra situação do género, este é o símbolo de uma era de Portugal que morre. A era do têxtil. A que poderíamos associar, sem exagero, a era do calçado. De sector mais empregador ainda não há trinta anos atrás, dando que fazer a mais de meio milhão de pessoas, o sector têxtil está moribundo, sendo o principal responsável para as altas taxas de desemprego que se verificam no nosso país. Era esperável que assim fosse. O sector têxtil, é um sector trabalho intensivo e, num tempo em que a economia viu desaparecer todas as fronteiras, não é competitivo a não ser com salários muito baixos. Daí que, tendo conhecido o seu desenvolvimento em finais do século XIX, na Inglaterra, tem vindo a deslocar-se daí para eocnomias de mais baixos salários, primeiro para Portugal e Espanha, para citar dois apenas, e, agora, para África e para a Ásia. Como é que podemos competir, por maior que seja a nossa produtividade do trabalho, com economias onde o salário mínimo ronda os vinte euros por mês ou ainda menos?
Estamos, assim, num profundo processo de mudança. De economia de subdesenvolvimento para economia desenvolvida. Uma mudança que provocará dores sociais terríveis, aqui, como já provocou, noutros tempos, noutros países. Não é fácil adaptar centenas de milhar de trabalhadores a outras indústrias ou serviços. É algo que leva anos. Tantos menos quanto aconteçam duas coisas. Por um lado, um serviço de educação eficiente, capaz de preparar as novas gerações para um país substancialmente diferente. Por outro lado, uma vontade eficaz dos mais velhos, que vão ficando sem o seu trabalho tradicional, de se ajustarem às novas exigências. Sem essas duas condições, as dores da mudança serão muito mais dolorosas. E, sinceramente, não vejo nem uma nem outra com nitidez.
Fique uma palavra final para o dono da Sampaio Ferreira, empresa têxtil que vai fechar. Hoje já desaparecido.. Era ele Raul Ferreira, o conde de Riba d'Ave. Um grande senhor. De quem fui amigo até à sua morte. E cujas preocupações sociais fizeram dele um homem a merecer a minha admiração. E a de muitos mais. Que não foram para o desemprego mais cedo graças ao seu espírito de luta.
Magalhães Pinto, em MATOSINHOS HOJE, em 29/3/2005
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