A ACÇÃO E O CHEQUE
Uma acção e um cheque são mais parecidos do que parece à primeira vista. Ambos são representações de riqueza. Uma acção representa o valor duma fatia de uma empresa. Um cheque representa o valor duma fatia de dinheiro. Ambos pertencem àquele em nome de quem são passadas. Tanto uma como outro podem ser passados ao portador como terem escarrapachados os nomes dos proprietários. Tal como a acção, também o cheque pode ser passado a outra pessoa – diz-se “vendendo” ou “doando” para a acção e endossando para o cheque.
Todavia, se há muitas semelhanças entre uma acção e um cheque, também não deixa de haver profundas diferenças. Desde logo, de um ponto de vista genérico. Por exemplo, o valor de uma acção varia em função do valor da empresa cuja fatia representa, enquanto o valor do cheque é aquele e aquele mesmo que vem escrito, geralmente no cantinho superior direito do dito. Mas há mais. A acção vê o nome dos seus sucessivos proprietários registado, seja na Bolsa, seja na empresa emissora, enquanto o cheque não é objecto de registo nenhum até que é levantado. Isto é tão verdade que, por vezes, nem o emissor do cheque o regista. Sucede assim, principalmente, quando o cheque tem por suporte operações obscuras. E aqui outra grande diferença entre os dois. Enquanto a acção nunca tem por origem operações obscuras, com falta de transparência, o cheque pode tê-la. Claro! Podem fazer-se operações obscuras com acções, lá isso podem. Mas o que eu estou a dizer é que a acção não representa, ela própria, um negócio obscuro, enquanto o cheque pode representar. E não se ficam aqui as diferenças. Há mais. Às acções está sempre inerente o risco de deixarem de valer o que se presume valham, enquanto ao cheque não. A transmissão da acção depende sempre de uma negociação. A transmissão de um cheque é toma lá dá cá. Claro que o Fisco está atento a estas possibilidades todas. Especialmente numa época de fome de dinheiro como a que corre. Por isso é que quer saber muito bem os valores por que a transmissão da acção é feita e quer saber qual a causa porque o cheque transita de dono. Não fosse o Fisco assim cuidadoso e muito cidadão calaria quer a acção quer o cheque. Portanto, há um sítio onde tudo fica clarinho como a água do Rio Trancão (depois da despoluição da Expo, claro): no Fisco.
Visto assim, deveria ser tudo muito fácil. Em caso de dúvidas, era só uma vistoria ao Fisco e tudo ficava esclarecido. Não é preciso, para nada, andar aí a perguntar aos próprios, ao dono da acção e ao dono do cheque. O Fisco sabe quanto ganhou o dono da acção e o Fisco sabe quanto ganhou o dono do cheque. Ah! O Fisco não diz? Isso levanta um problema tramado! Se o Fisco não diz, se os bancos não podem dizer, se os próprios também não andam a pôr a sua vida ao sol, então como é que se sabe? Há-de haver algum “boca-de-trapos” em algum lugar que vai a correr contar aos amigos o que realmente se passou. Quer com a acção, quer com o cheque. Mas, a ser assim, isso é outro problema dos diabos para todos nós! É que nunca sabemos se alguém vai contar os nossos segredos aos amigos! Estou aterrorizado. E nem sequer sei quem são os terroristas. É um medo muito semelhante àquele que senti quando ouvi já não sei quem denunciar que outro tinha escrito à PIDE in illo tempore! Pois se os documentos da PIDE chegaram a andar perdidos e se, naqueles que agora se podem visitar, os guardadores têm todo o cuidado para não passar para os observadores o nome de terceiros, especialmente os informadores, qual é a nossa segurança? Não é que eu tenha rabos de palha, que não tenho. Nem sequer pertenci à Mocidade Portuguesa, apesar de ter feito a primária numa escola da dita; mas os meus pais não tinham dinheiro para me comprar o cinto e os sapatos, que todo o militante tinha de comprar! Mas, quando se começam a usar documentos secretos de há quarenta ou cinquenta anos atrás, a gente sabe lá se não encontra uma fotografia da gente, a apontar para a Torre dos Clérigos e logo dizem que estamos a fazer a saudação fascista? A gente sabe lá?
Bom. Deixemos os fascistas em paz. Hão de ter um bonito enterro. Mas todo este raciocínio, que eu queria fazer, e vinha a preparar, por razões didácticas, ganhou subitamente uma actualidade que eu não estava à espera. É que começaram a berrar aí, na praça pública, por cheques e acções. Espero que não me venham agora acusar de plágio. Por isso, a prevenção de que qualquer semelhança entre o que aqui escrevo neste momento e a realidade é pura coincidência. Está bem. Eu sei que muitos plagiadores se escondem atrás da coincidência em situações semelhantes. Mas eu estou a falar verdade. Juro. Se alguém plagiou foram os outros. É sempre a ficção que plagia a realidade e não o contrário.
Já agora, que estamos a falar em ficção e realidade, gostaria de ver o meu comentário – real - de hoje confrontado com a análise do vindo a público – a ficção. É que, se entendi muito bem a explicação do negócio das acções, não entendi patavina do negócio do cheque. Isto pode ter sucedido por a história do cheque ter sido mais ficcionada do que a história da acção e tal causar mais engulhos ao meu espírito sobretudo afeito à realidade. Mas a verdade é que fiquei perdido na história do cheque que foi recebido mas não cobrado. Melhor, que foi recebido mas devolvido. Melhor, que foi recebido e logo compensado com a passagem de outro, numa espécie de operação de débito e crédito simultâneos. Melhor… Percebeu, Caro Leitor? Burro! Sou um burro! Eu não. Pelo menos numa primeira aproximação. Mas depois lá compus as coisas. Mas precisei de saber que o cheque não recebido, tinha sido declarado ao Fisco como recebido. Então entendi tudo. Ainda há portugueses patriotas! Que, atendendo às graves dificuldades que o nosso país atravessa, declaram ao Fisco até o que não receberam para, assim, dar uma mãozinha ao Orçamento!
Já posso andar de cara descoberta na rua. Afinal, não sou tão burro assim! Posso ser lerdinho mas não atrasado mental!
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 13/1/2011
Sem comentários:
Enviar um comentário