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1.9.11

CRÓNICA DA SEMANA


SUCESSÕES E DOAÇÕES

O alarido tem sido enorme, nestes tempos de dificuldades do Estado, com a querer descobrir mais fontes aonde ir buscar recursos. Uma situação que conduziu já os impostos para níveis praticamente insuportáveis para a grande maioria dos cidadãos. Uma situação à qual escapa aquela pequeníssima minoria dos considerados “ricos” ou “grandes fortunas”, para quem mais ou menos um subsídio de Natal não faz grande diferença. E é relativamente a estes últimos que se levantam vozes estridentes, clamando pelo “lançamento de um imposto sobre as grandes fortunas”.

Tenho alguma dificuldade em ver as coisas com esta generalidade. Conheço que tenha acumulado uma grande fortuna tendo nascido, como tantos outros, em condições de grande modéstia e tenha edificado essa fortuna à custa de muito trabalho, de muito talento, de muita perseverança e de muito risco – o caso mais conhecido que poderia citar seria o de Belmiro de Azevedo – ou quem seja detentor de uma grande fortuna por já ter nascido no meio dela e a tenha herdado, umas vezes aumentando-a também com o seu trabalho e o seu talento, outras vezes delapidando-a lentamente sem lhe acrescentar um cêntimo. E, porque tenho essa dificuldade, não alinho na histeria do “corta-lhe uma fatia”, a qual pode dizer muito a quem tem pouco e não cuida de saber como e porquê há outros que têm muito, pode ser politicamente popular, mas que, bem atentas as coisas, poderia ser, em muitos casos, apenas um roubo. Desconto, nestas observações a posição assumida pela esquerda mais radical, a qual vê, nesta situação e na popularidade da medida preconizada, apenas uma oportunidade de realizar agora o que, de modo infrutífero (parcial), tentaram fazer pelos idos de setenta. Isto é, colectivizar a sociedade. Além de que a atitude sabe-me a inveja. Que até pode ter alguma justificação num ou noutro caso – o nascimento de qualquer de um de nós é aleatório relativamente ao berço onde é deitado pela primeira vez, de ouro ou de palha. Mas que, de modo nenhum, teria tal justificação noutros casos.

Foi por isso que acolhi com atenção a intervenção do Senhor Presidente da República relativamente a esta questão, na qual ele, desaconselhando o lançamento do tal “imposto extraordinário sobre as grandes fortunas”, sugeria o regresso à tributação das heranças e das doações. Aliás, uma atenção tão grande quanto a minha estranheza pela imediata reacção do PSD – o principal partido do Governo – a negar a utilidade da recriação deste imposto. É que eu entendo os riscos inerentes ao lançamento de um imposto sobre “os ricos”. Num momento em que o Estado, financeiramente debilitado para muitos anos, incapaz de ser o motor do desenvolvimento da economia, só pode contar com os “ricos” para o relançamento desta, atemorizar estes, incentivá-los a aplicar os seus capitais noutras economias onde sejam mais bem tratados, é um risco que de modo nenhum deve e pode ser corrido. Se queremos que a nossa economia se desenvolva, o melhor é não agir assim. O tal imposto sobre os ricos pode muito bem ser o remédio que mata definitivamente o doente. Mas já não entendo o tratamento dado às heranças (e às doações que, na generalidade dos casos, com elas estão relacionadas). Vejamos porquê.

A razão de ser da herança chama-se Família. É devido ao reconhecimento, pela sociedade, da importância que para ela tem a Família que os direitos da herança merecem protecção. Não fosse isso, e o problema fiscal de todos os países estava resolvido. Podiam mesmo ser abolidos todos os impostos, ficando apenas a obrigação de reversão total para o Estado das heranças. Isto é, limitados os direitos de cada indivíduo pela sua vida física, o que porventura tivesse acumulado durante a Vida não seria de ninguém, quando ele morresse. E não sendo de ninguém, era de todos, isto é, do Estado. A importância da Família é que justifica a protecção da herança. Mas hão-de reconhecer-se duas coisas.

Em primeiro lugar, Família é um conceito com diversas interpretações. Importando duas para aqui. Família enquanto tronco de uma árvore na qual estão pendurados todos os antepassados, directos ou colaterais, de um dado indivíduo que nesse tronco também se insere. E Família enquanto conjunto de pessoas unidas por aquela relação mas que fazem vida em conjunto. Nesta última acepção inscrevemos aquilo que designamos por agregado familiar.

Em segundo lugar, a importância da Família para a sociedade tem conhecido uma evolução enorme. Não só no sentido de uma certa desagregação dos laços entre os membros que a compõem, como o aligeirar para o Estado de obrigações que em tempos remotos cabiam à família de cada qual. O Estado Social não é senão uma emanação deste fenómeno. Ele próprio a conhecer uma evolução no mesmo sentido, todavia diante de enorme resistência. A velhice e a Educação (e talvez mesmo a Segurança) são os casos mais evidentes do que digo.

Ora é aqui, precisamente, que vou buscar os argumentos essenciais para julgar que é muito mais justa, socialmente, a existência de um tributo sobre as heranças, sobretudo quando são em favor de quem não fez parte da Família em sentido restrito que acima citei (o agregado familiar) do legatário dos bens, do que, pura e simplesmente, confiscar parte da riqueza de quem teve artes de a produzir e acumular. Uma riqueza que produziu e guardou, é suposto, depois de pagar os impostos legítimos a que tal produção e guarda o obrigavam. A intervenção do Senhor Presidente da República faz todo o sentido. Com o acréscimo de outra razão moral de peso. Para acumular a fortuna que deixa, o legatário teve de contar com a sociedade no seio da qual a gerou e guardou. Foi graças à organização dessa sociedade, também, que lhe foi possível ser “rico”. Ao morrer, afigura-se-me justo que devolva à sociedade uma parte da sua riqueza como “agradecimento” das condições que esta lhe proporcionou.

É neste quadro que julgo deverem os “esmagados” cidadãos portugueses fazer ouvir as suas reivindicações. Tão alto quanto seja necessário até que os surdos o ouçam. É muito mais justo, social e fiscalmente, taxar as heranças do que ficar com uma parcela do rendimento exíguo daqueles que nunca serão capazes de deixar herança que se veja. E se isto for justo, muito mais justo será taxar as doações. As quais, além do mais constituem enriquecimento sem outra justa causa que não seja a liberalidade de outrem.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 1/9/2011

4 comentários:

Zida disse...

Eu vejo nos impostos sobre sucessões e doações outro problema. Há pessoas (nas quais me incluo) que trabalharam duramente uma vida inteira, anos e anos sem férias, e construiram uma ou duas casas (melhores ou piores) que querem deixar aos seus filhos para que não tenham uma vida tão dura na velhice. Há outras pessoas que passam pela vida gastando o que têm e o que não têm, até acabarem, por vezes, por pedir ajuda à sociedade. Será justo aplicar impostos sobre a poupança tão arduamente conseguida pelos primeiros???

MAGALHÃES PINTO disse...

Cara Zida,

O imposto sobre sucessões e doações é um imposto sempre bastante progressivo. Isto é, pequenas heranças pagam muito pouco e grandes heranças pagam muito mais que proporcionalmente.

E há outro ponto a considerar: se a Zida soubesse que o Estado assegurava convenientemente a segurança dos seus filhos, nos vários domínios da Vida, estaria tão preocupada em deixar heranças?

O que faz com que queria deixar alguma segurança aos seus filhos é saber que o Estado não lhes assegura o mínimo.

Ora, um dos modos de o Estado poder assegurar o futuro dos seus cidadãos mais jovens é com a tributação das heranças deixadas pelos mais velhos. Além do mais, tal reduz as diferentes possibilidades de cada jovem relativamente aos demais, em função do berço onde nasceram.

MAGALHÃES PINTO disse...

Clarificando: quando dizemos - EU ACREDITO NESTE PRINCÍPIO - igualdade de oportunidades para todos, seria bom que elas não começassem no berço.

MAGALHÃES PINTO disse...

Zida, tentei deixar um comentário no seu blog e não consegui!