REMÉDIO DE CAVALO
“Como os gregos não parecem ter o discernimento de concluírem eles próprios que não podem continuar no Euro… ou me engano muito, ou o FMI acabará por resolver o problema.”
Daniel Bessa (Dr.) - Expresso – 27/3/2010
O Doutor Daniel Bessa, uma das mentes esclarecidas que temos na nossa panóplia de economistas dignos desse título, publicou um pequeno artigo de opinião no semanário Expresso, no qual, como é seu hábito, fez nas entrelinhas um sério aviso aos portugueses. Está reproduzido acima. Na essência, o prestigiado economista comentava a decisão da Comunidade Europeia de ajudar a Grécia a dominar a sua grave crise económica e financeira, mas com a ajuda do FMI, cujos remédios são sempre “de cavalo”. Mas, no fundo, e pelo menos do modo como eu li o seu artigo, o que ali estava era a antevisão do que pode suceder aos portugueses, se não formos bem sucedidos com o nosso suave PEC.
Ultimamente, tenho associado a situação portuguesa a uma partida de râguebi. Um campo enorme – o mundo - com duas janelas estreitíssimas, uma de cada lado do campo. Por uma se sai para o sucesso. Pela outra se vai para a derrota. No campo de jogo, uns a puxar por um lado, outros a empurrar para o outro. Não só andam todos atrás de um objecto estranho, a que se usa chamar bola mas que de bola não tem nada, como, de vez em quando, está tudo a monte. A bola não rola e, ao bater no chão, assume os efeitos mais bizarros. É suposto que tal desporto, propício a gestos de violência, seja disputado com elevado respeito pela ética e pela integridade física dos participantes. Quando assim não sucede – como usamos ver na nossa vida colectiva – as cabeças rachadas são muitas e o sangue jorra com facilidade. O objectivo do jogo é ganhar. E ganha-se ou transportando o tal objecto estranho – a que também se chama “melão” - até à linha de meta ou enfiando o mesmo na janela estreita do sucesso. Uma coisa e outra não são fáceis. Transportar o “melão” até ao fundo dá um trabalho enorme. Braçal e pernal. Sem esse trabalho, não há maneira de lá chegar. E é um trabalho repartido. Raramente uma pessoa só consegue realizar tal objectivo sem ajuda dos demais. Ao contrário do futebol, onde um golpe de génio pode dar a vitória, no râguebi não há génios. Há vontade, há força, há cooperação, há a construção do sucesso metro a metro. Sobretudo, vontade. Normalmente, ganha quem tem a vontade mais forte. Enfiar o “melão” na janela – e é proibido o jogo rasteiro neste caso – exige uma perícia excepcional. Não fazendo uma coisa nem outra, a derrota é inevitável.
Como ali, nós andámos um bom pedaço de tempo a passear pelo campo, deixando que o adversário – a realidade - nos fosse empurrando para junto da nossa janela e da nossa linha do fundo, aproximando-nos da derrota absoluta. Subitamente, damo-nos conta que estamos encostados à derrota. E começamos a discutir uns com os outros como é que vamos fazer para conquistar algum espaço de manobra. Mas não há muitas alternativas. Não sei mesmo se há alguma. As forças adversárias são muito fortes, agora, que as deixamos ganhar força. É quase possível construir um silogismo económico.
- A actividade económica está numa situação tendencialmente depressiva que é estrutural; Portugal não apresenta vantagens competitivas para produzir (passe o leve exagero) seja o que for.
- As contas do Estado estão muito desequilibradas e o défice financeiro do Estado é, também, ele, estrutural.
- Por força da situação depressiva, há muita gente sem trabalho, vivendo dos magros rendimentos sociais.
- Para sair da situação, haveria que passar a economia portuguesa para uma situação de franco crescimento.
- Isso exigiria investimento (público e privado) e/ou consumo fortemente crescente.
- A situação financeira do Estado não permite o investimento público ao nível necessário, porque agravaria ainda mais as contas públicas.
- A inexistência de vantagens competitivas (mesmo, a existência de fortes desvantagens como a justiça lenta e a excessiva burocracia), desaconselha o investimento privado.
- A má situação financeira do Estado faz crescer os encargos de qualquer e de todas as dívidas, desaconselhando ou impedindo, também o investimento.
- O desemprego acentuado não permite, bem pelo contrário, o crescimento acentuado do consumo. E o Estado não pode compensar o desemprego na actividade privada, empregando no Estado, porque as contas públicas o não permitem.
- Logo, aparentemente não há por onde sair. O que é o mesmo que dizer que o PEC é apenas um adiamento e que, um pouco mais adiante, vamos estar na situação da Grécia, podendo ter que encarar, como último remédio, a saída do Euro. Creio que foi este o aviso que o Doutor Daniel Bessa quis deixar no seu artigo.
Julgo ser escusado referir o que acontecerá se tal hipótese se concretizar. Seríamos enviados para níveis de vida que, nem de perto nem de longe, se aproximariam daquele que, apesar de tudo, vamos tendo. Ainda na esteira do meu antigo professor quintanista, parece que a dicotomia de soluções se salda por isto: ou decidimos todos fazer força para o mesmo lado, ainda que tal comporte um sacrifício imediato de grande monta; ou vamos ser obrigados, mais tarde ou mais cedo, por um FMI qualquer, a fazer sacrifícios ainda maiores.
Num quadro tal, há um pressuposto que está longe de ser preenchido e que é absolutamente necessário preencher. Penso que somos um povo capaz de fazer os sacrifícios necessários numa qualquer situação colectiva grave, como esta é. Mas é absolutamente necessário que todos vejamos que os sacrifícios são por todos repartidos na medida do que podem. E, como sempre nestas situações, o exemplo tem de vir de cima. Dos políticos, em primeiro lugar. Dos gestores públicos. Das instituições financeiras. Das profissões liberais. Enfim, dos líderes. Para que, atrás deles, se perfile um exército imenso, disponível para sacrificar o que for necessário sacrificar. É preciso que os menos poderosos, que são também os mais numerosos, vejam que cada um está a sacrificar-se na medida do que pode.
Um desiderato difícil de conseguir. Raramente, os poderosos estiveram disponíveis para tomar remédios cavalares que hajam também de tomar. E o grande problema disso é que, se eles não tomarem o remédio, bem podem tentar fazer com que os menos poderosos os tomem. Estes cuspirão para o lado. E o resultado da partida de râguebi será, a derrota. Ou, como soe dizer-se, uma abada
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 31/3/2010
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