PORQUE NÃO?
Era o início do ano de 1991. Um ano pesado, em termos eleitorais. No início, a eleição do Presidente da República. Lá mais para o fim, as Legislativas. Para a primeira, Mário Soares, a terminar o seu primeiro mandato, surgia como o candidato inderrotável. Havia conduzido o seu mandato com muita moderação, naquilo que ficou conhecido como a coabitação entre o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, do PSD, e o Presidente da República, do PS. E o PSD assumiu, muito por influência de Cavaco Silva, duas posições absolutamente ininteligíveis para alguns. Por um lado, não apresentar candidato próprio às eleições presidenciais. Seria, no dizer de Cavaco, inserir um factor de instabilidade e tensão de que o país não necessitava. E, naquela reunião da Comissão Política, discutia-se qual a posição a assumir face à candidatura de Mário Soares. Como habitualmente, Cavaco Silva, antes de exprimir a sua própria opinião, quis ouvir a dos restantes membros. E apenas dois se pronunciaram a favor da abstenção. Um fui eu próprio. Já não recordo quem foi o outro, embora uma leve reminiscência me ddiga que foi Silva Marques. Antes que a opinião eventualmente se generalizasse, Cavaco Silva cortou cerce a caminhada, afirmando que, em democracia, não se pedia aos eleitores para se absterem. Além de que, se se apelasse à abstenção nesse momento, como se iria pedir, lá para o fim do ano, que o Povo votasse maciçamente (como, aliás, viria a acontecer). E o PSD apelou aos seus militantes para votarem em Mário Soares.
O que a eleição de Mário Soares viria a custar àquele que foi seguramente, desde a Revolução e até hoje, o mais competente e impoluto Primeiro-Ministro de Portugal, todos nós sabemos. O segundo mandato de Mário Soares foi terrível para o PSD. Mário Soares do segundo mandato que é, em minha opinião, o responsável maior pelo ambiente de descrença que hoje grassa em Portugal. Não nos esqueçamos que, enquanto Cavaco Silva se esforçava, com alguma razão, por instilar nos Portugueses o orgulho e a energia de pertencerem a um país de sucesso, Mário Soares levou a cabo as suas presidências abertas, fazendo gala em mostrar o que (ainda) havia de lamentável em Portugal, fazendo ele, nessa altura, o que depois se viria a censurar em Duráo Barroso; o discurso da tanga. Desde aí, nunca mais nos aguentámos, se levarmos em linha de conta que o primeiro mandato de Guterres ainda se processou no movimento de que Portugal, desde 1985, vinha animado. Mas ficou-me, da atitude assumida por Aníbal Cavaco Silva, uma impressão ainda mais forte do que aquela que já detinha. Para aquele homem, o Poder não interessava só pelo Poder. Aquele homem colocava, acima de tudo, oo interesse de Portugal.
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Pode haver muitas razões de interesse nacional para que os Ministros do último Governo tenham apressadamente - de tal modo apressado que, pelos vistos, o fizeram depois da hora - autorizado, a um conhecido grupo financeiro, um negócio que será, seguramente, muito lucrativo. Pode até haver quem entenda que os poderes de um Governo de Gestão, em matérias como as que estavam em causa, sejam da sua competência. Um Governo não se demite - não deve demitir-se - da responsabilidade de governar na véspera de qualquer acto eleitoral, ou uma semana antes, ou um mês antes. Mesmo um Governo de Gestão não deve ser constituído por bonecos, autómatos destinados à leitura do correio. Todavia, compreendendo tudo isto, não é possível entender uma outra coisa muito mais importante. É como é que, havendo tanta coisa urgente para decidir e fazer em Portugal, aqueles senhores se apressaram apenas em servir os amigos. Isso, sim, não se entende!
Com tal atitude, aqueles senhores justificam, a posteriori, a decisão do povo portugues nas urnas. De duas maneiras. Por um lado, o facto de terem levado uma tareia eleitoral que até parecia exagerada. Por outro lado, o facto de o povo ter dado uma maioria absoluta a um só partido. Nada como ter bem definidos os responsáveis por tudo que acontecer.
Como se isso não fosse bastante, também voltou à superfície o cao de Benavente, muito parecido com o de agora, mas a atingir, dessa vez, o actual Primeiro-Ministro. Pode ser que os casos sejam muito diferentes. Mas algo fica no ar de indelével. É que não foi desmentido que o caso também está a ser investigado pela Polícia Judiciária. Oxalá não fique um caso no esquecimento e outro siga adiante.
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Noticiaram os jornais terem sido apanhados, pelas autoridades, uns indivíduos que carregavam protecções marginais, destas existentes nas autoestradas, seguramente roubadas. Um crime duplo. Não apenas porque se trata de roubo de propriedade pública, mas porque o roubo por aqueles indivíduos feito aumentou, em alguma medida, o já grande risco existente no tráfego.
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Perguntará o meu Caro Leitor o que haverá de nexo nestas três partes de um comentário global. Eu explico as vias transviadas que me fizeram ligar os três assuntos.
Por um lado, a verificação do estado de podridão a que o país está a chegar. Uma podridão fétida, que já não poupa classes. Das mais altas autoridades aos segmentos mais marginais, cada um trata de aproveitar-se das oportunidadces que tem para lesar o próximo, que somos todos nós.
Por outro lado, a justificação que este estado de coisas acarreta para a candidatura do Professor Cavaco Silva. Portugal está a precisar de ter, na área do Poder, um homem com a sua estatura moral, com a sua idoneidade, com a sua honestidade, com a sua preocupação em servir o país, mais do que servir-se a si próprio. Nestes termos, a candidatura de Aníbal Cavaco Silva é um imperativo nacional. Uma vez, quando eu, baseado em razões profissionais, resistia a um convite que me fez, disse-me ele que "há momentos em que não podemos dizer que não". Pois bem, como cidadão preocupado com o futuro do meu país, devolvo-lhe agora o que ele me disse. Como penso que o mesmo lhe está a dizer a esmagadora maioria do povo português.
E é neste quadro que eu não entendo os socialistas. Estão desalmadamente a procurar encontrar um candidato para se defrontar con o Professor. Para se defrontar com ele e para sofrer uma derrota assinalável. Depois de o país haver tido que se confrontar com os momentos de tensão que sempre acontecem nas campanhas eleitorais. Bastar-lhes-ia ter em consideração o facto de que, realmente, Portugal precisa do Professor como Presidente da República e que melhor não é possível encontrar, para não procurarem candidato e sim darem ao antigo Primeiro-Ministro o seu apoio. Bastar-lhes-ia ter em conta - se porventuira mais calculistas - os acontecimentos de 1991 que acima narrei - e que culminariam no reconhecimento dos Portugueses, ao darem-lhe a vitória, escassos meses depois, pos mais de metade dos votos expressos - para desistirem de lutas meramente ideológicas e pensarem mais no interesse do país. Bastar-lhes-ia serem práticos e pensarem uns momentos na personalidade de Cavaco Silva, sabendo que nunca, mas nunca, ele colocará quaisquer interesses partidários acima do interesse do país e, portanto, nunca será um segundo Mário Soares, para, sem hesitações, lhe afirmarem o seu apoio.
E, como não entendo, censuro. Decididamente, não temos, na liderança do partido da situação, gente para as grandes tarefas que, forçosamente, nos aguardam. O que é mais uma razão para, todos juntos, apelarmos à disponibilidade de Aníbal Cavaco Silva.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 17/5/2005
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