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20.1.11

CRÓNICA DA SEMANA

UMA DECISÃO IMPORTANTE

No próximo domingo, temos de ir às urnas. Dizer quem queremos que presida aos nossos destinos. Sei que o desencanto, o desconsolo, a desilusão, que grande parte de nós sente, talvez nos segrede para não ir votar. “Votar para quê, se não mudamos nada?”, perguntarão muitos de nós? Porventura com alguma razão. Mas, descontando que a responsabilidade é nossa - em Democracia, a responsabilidade de tudo quanto acontece pertence, em última análise, a quem vota e elege - se uma eleição é sempre importante, esta é-o ainda muito mais, dadas as condições em que o nosso país está.

É redundante afirmar que o nosso país atravessa um período de graves dificuldades. Sabemos todas quais são. Dificuldades que não vão desaparecer facilmente nos próximos anos, podendo, com grande probabilidade, agravar-se ainda mais. A dívida vai continuar a aumentar, bem como os respectivos juros, até estes se tornarem realmente insuportáveis, se é que já o não são. O desemprego ainda vai aumentar. Os remediados sentirão fortes dificuldades e os pobres vão sentir na carne, ainda mais, essa pobreza. Isto é, os sacrifícios vão continuar a ser pedidos. E, quando a situação é esta, não está excluída a existência de graves crises políticas e sociais. Basta vermos o que já vai acontecendo pela Grécia, a atravessar um momento muito parecido com o nosso. Não será de admirar se, brevemente, tivermos uma crise política profunda. Daquelas em que ninguém quer assumir o poder.

Se viermos a estar numa situação destas, e não é improvável que venhamos a estar, então há um valor que temos de preservar acima de tudo. As instituições democráticas. Para isso, temos de ter alguém cuja autoridade democrática é indiscutível, por ter sido directamente escolhido por todos nós. E esse alguém, essa Instituição, é o Presidente da República. Todos os outros, ministros, deputados, juízes, não são verdadeiramente escolhidos por nós. Os dirigentes dos partidos são eleitos pelos militantes. Mas estes não são eleitos por ninguém. Podemos dizer que são o povo, mas são só uma parte do povo. A esmagadora maioria do povo não faz parte de nenhum partido. Muito bem. Ou muito mal. Porque, depois, são os dirigentes dos partidos a proporem ao povo todo quem deve governar, seja a freguesia, seja o concelho, seja o país. O resultado é bizarro. O povo vota em pessoas escolhidas por gente que ele, povo, não escolheu. Ou, então, não vota em ninguém. Vai dar ao mesmo. O voto é uma mera formalidade. Uma ilusão. O povo pensa estar a escolher mas não está, já tudo está escolhido quando se chega ao voto. O único eleito com legitimidade democrática absoluta é o presidente da república. Aí, todos se podem candidatar e todos votamos no nosso escolhido entre os que se apresentam.

É por isto tudo que, no Domingo, ninguém pode ficar em casa. A escolha entre as alternativas cabe a cada um. Mas há algo em que não temos escolha. Temos mesmo de ir votar.

***

Só depois vem o problema da escolha entre as alternativas. Com verdadeira utilidade, uma de duas. Ou Cavaco Silva ou Manuel Alegre. As demais candidaturas, todas de esquerda, não chegam a contar, para além dos objectivos particulares e minúsculos dos seus protagonistas. Não definem, só por si, a necessidade de uma segunda volta. E não ajudam qualquer das candidaturas principais.

Não sei muito do doutor Manuel Alegre. As referências que dele me restam na memória são contraditórias. Por um lado, reconheço-lhe condições de independência. Não foram raras as ocasiões em que, de acordo com as suas convicções, se opôs a quem, formalmente, devia obediência. Mas não consigo esquecer algo perdido na minha juventude. Estava eu na Guiné, em defesa de um conceito de Pátria que eu não discutia, e estava ele em Alger, usando a rádio para incentivar os guerrilheiros da independência a matar-me. Sei que o fazia em nome de um conceito que ele julgava justo, mas esquecia-se completamente de mim. Por outro lado, não sei como é que, no actual quadro constitucional, ele conseguiria cumprir aquilo que diz. O Presidente da República manda pouco e é, tal como disse já, apenas uma garantia da Democracia.

Sei, naturalmente, muito mais do Professor Cavaco Silva. Mas, neste momento importante, recordo particularmente três situações. A primeira sucedeu por 1990, no Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, por ocasião de um Congresso do Partido Social-Democrata, ao qual eu era delegado. A certa altura da reunião, alguém me disse para ir ao gabinete onde o Professor preparava o seu trabalho. Fui. Surpreendido, escutei o convite para fazer parte da Comissão Política Nacional. Não queria. As minhas obrigações profissionais eram muitas. E com elas me fui escusando. Até ouvir dele esta expressão lapidar:

- Magalhães Pinto, há momentos que o país nos chama para o servir e não temos o direito de recusar. Veja eu, tranquilo professor universitário, até que esse chamamento chegou para mim também; e tive aceitar; era o meu dever…

Chegou para me convencer. Efectivamente, para alguém que era então a negação do político típico, as suas palavras tinham o toque fino da verdade. A segunda situação chegou a propósito da agora tão propalada pobreza. Setúbal era, então, o expoente máximo de uma tragédia. E Cavaco Silva, com coragem e determinação, lançou o que foi o primeiro combate contra a pobreza. Que produziu resultados assinaláveis. Não só em Setúbal como em todo o país. Por exemplo, Matosinhos, onde vivo, não era dos municípios mais flagelados pelo fenómeno. E, assim mesmo, recebeu 750 mil contos para combater a pobreza. Apesar de ser um município socialista. Apesar de aí reinar um adversário nem sempre leal, chamado Narciso Miranda. Ainda hoje estão aí, em funcionamento profícuo, instituições criadas ao abrigo do tal programa.

A terceira situação aconteceu numa reunião da Comissão Política Nacional onde eu estava presente. Cavaco Silva havia ganho as eleições de 1991 com maioria avassaladora. Seguir-se-iam, daí a pouco, as eleições autárquicas. E alguns de nós alvitraram que era necessário aproveitar o elan da vitória e de termos maioria absoluta para potenciar uma vitória nas eleições autárquicas. Terminadas essas intervenções, com voz gélida e firmemente, o Professor pronunciou-se:

- Se pensam que eu vou governar o país para ganhar umas eleições autárquicas, estão muito enganados…

Três naturezas do Professor com enorme relevo, nesta hora em que tantas interrogações se colocam aos Portugueses. O patriota. O homem com preocupações sociais profundas. O democrata.

Para mim, chegam. Para mim, a escolha não será difícil. E não deixarei de votar, apesar do meu desencanto com a política. Que não com Portugal.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 20/1/2011

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