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28.5.09

MEMÓRIA

Durante anos, ele deteve o poder. Tinha-o conquistado numa hora difícil. Usou-o inicialmente com precaução. Com respeito. Não só para com quem lhe tinha dado o poder, mas também para com todos os que, de um modo ou de outro, foram fazendo parte da sua equipa. Conseguiu que o objecto do seu poder fosse colhendo prestígio. Nas divisões em que o reino onde servia se dividia, conseguiu fazer com que o objecto do seu poder se afirmasse, ano após ano, como candidato a divisões superiores. Muito por força dos seus sucessos, mas também pelo modo como soube personificar em si próprio os êxitos de toda uma equipa, teve multidões ajoelhadas a seus pés, jurando amor eterno. Deve, mesmo, ter julgado, a certo momento, ser uma espécie de deus, capaz de com uma varinha de comando, poder controlar todos os acontecimentos do reino. À voz pequena, diziam alguns dos seus colaboradores que era um déspota, impondo a sua vontade e o seu poder a todos quantos o rodeavam. Mas a verdade é que não aparecia assim em público. ou se aparecia, os sucessos da sua equipa sobrepunham-se a tudo. Por ser assim, e por ter pelo seu lado o apoio cego da massa associativa, nenhum desses seus colaboradores tinha coragem de denunciar os efeitos perniciosos do seu poder, assim exercido, para o bom funcionamento da sua equipa. Pareciam ter apenas uma de duas escolhas: ou comer e calar ou afastar-se. Muitos houve que se afastaram. Depois, encheram os jornais de caserna - que os há muitos no clube - da denúncia de factos aparentemente censuráveis. Mas sem nunca assumirem, pessoal e intransmissivelmmente, a responsabilidade pelas denúncias. E, ano após ano, o poder do detentor do poder, que alguns afirmavam um déspota, cimentou esse poder, enovelou-o, retendo entre os dedos o que pensava serem os fios de comando dos acontecimentos. Como se os acontecimentos ou quem deles é actor fossem todos simples marionetas.

Mas o mundo das marionetas é traiçoeiro. Pela perfeição com que são construídas dão lugar a confusões. E, às vezes, aquilo que pensamos ser uma marioneta é mesmo gente de verdade. Gente. Com cabeça, tronco e membros. Com a cabeça pensa. Com o tronco faz força. E com os membros caminha ou segura. Quando isso acontece e o detentor dos fios disso dá conta, pode ser o cabo dos trabalhos. Subitamente, apercebe-se que já não controla os acontecimentos todos. As multidões, a quem agrada ver alguma presumida marioneta ganhar vida própria, usar a sua própria cabeça para pensar e os seus membros para caminhar ou segurar, voltam as costas ao detentor do poder, abandonam-o, deixam mesmo que ele seja triturado nas crónicas de mal dizer. Chegado aqui, tem dois caminhos. Ou entende que este é o momento certo para abandonar o poder longamente detido, deixando que outros tomem o leme do barco. Ou tenta lutar contra a marcha inexorável do tempo e contra a erosão do poder. Se escolhe a primeira das vias, é cumulado de prebendas e agradecimentos pela obra realizada. Por isso se diz ser este o momento certo para abandonar o poder. Se escolhe a segunda das vias, normalmente só consegue ferir-se a si próprio, por mais nomes que chame às presumidas marionetas. E, na agudização de uma luta perdida, acaba por perder não apenas o antigo poder, mas também o reconhecimento das gentes que o adoraram. Fica só, tristemente só, na margem do caminho. Se o momento certo é o escolhido, as multidões apenas se recordam do bem, esquecendo o mal. Se o momento escolhido é o errado, as multidões esquecem o bem, para recordar apenas o mal

Crónica O MOMENTO CERTO - Magalhães Pinto - MATOSINHOS HOJE - 12/5/2004

2 comentários:

JOSÉ MODESTO disse...

Dr.Magalhães Pinto, a Política terá sempre destas coisas!!!
O falar é um efeito natural, mas, de um modo ou de outro, a natureza deixa o homem sempre escolher aquele que mais lhe agrada...

Saudações Marítimas
José Modesto

Anónimo disse...

pois é... o Poder de quem tem exercido o poder em Matosinhos é um monstro, gordo, cínico e cruel - não regenerável pelo PS.