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17.8.10

CRÓNICA DA SEMANA

O EFEITO CORRECTOR

Se tivéssemos dúvidas sobre a capacidade da economia para se ajudar a si própria, o que se está a passar neste Verão com as férias dos portugueses chegava para mostrar a verdade. Os portugueses decidiram, este ano, ir para fora cá dentro. Aliás, confirmando aquilo que um sabedor economista da nossa praça, o senhor Presidente da República, Cavaco Silva, tinha anunciado sob a forma de pedido. O Algarve está a abarrotar de concidadãos nossos, que preferiam as quentes paragens do sul do nosso país em lugar de demandarem o Brasil, a República Dominicana ou Cuba.
Percebe-se porque assim aconteceu. Instalada a crise económica, subsistindo ameaças sobre os nossos empregos, assistindo-se à subida dos preços de alguns géneros essenciais que não podem deixar de comprar-se, vendo anunciada pelo Governo a subida dos impostos e sofrendo já a redução de benefícios sociais até aqui desfrutados, tendo as expectativas do futuro mais baixas que nunca, os portugueses olham, pela primeira vez em muitos anos, para a bolsa e para os escassos euros nela existentes, porventura amealhados a custo, com bastante receio do futuro. E decidem como a teoria económica pressupõe. Gastam menos, adiando para melhores tempos a viagem sonhada ou as férias à rico.
Gastar menos é, porventura, algo que, dito assim, não nos conviria. Para não cairmos em alguma recessão económica mais profunda, que só agravaria as coisas. Mas este gastar menos, o deste ano, não é tão pernicioso assim. É que gastamos menos mas gastamos cá dentro. Isto é, o rendimento despendido nas férias deste ano apenas se transfere do bolso de uns portugueses para o bolso de outros. Algo que não aconteceria se fôssemos passar férias ao estrangeiro. Por isso, o efeito final desta súbita mudança das preferências dos portugueses ajuda efectivamente a economia. Não só porque o rendimento das férias fica cá dentro, mas também porque substitui o rendimento que os estrangeiros vinham habitualmente cá deixar e que, este ano, porque estão a agir nos seus país como nós aqui, não deixam.
Curiosamente, este comportamento mais ou menos generalizado, tem também efeitos sobre as estatísticas do desemprego. Possibilita ao Governo afirmar que o desemprego está a diminuir. E, não surjam os espertinhos maldizentes do costume, logo acrescenta que o ajustamento sazonal já está a ser levado em conta. Pode ser que sim. Mas vamos ter de esperar por Outubro para o saber de fonte limpa. E não é supérfluo acrescentar “limpa” à “fonte” quando falamos de estatísticas, porque nós sabemos do esmero tido por este governo na limpeza das ditas.
Para bem apreciarmos o esforço, voluntário ou involuntário, dos portugueses neste ano, é necessário passar pelo Algarve. Há mais de um quarto de século que ele é o meu imutável destino de férias. Se algum ano de excepção houve – de que me não recordo – foi isso mesmo, uma excepção a confirmar a regra. Assisti ao boom dos anos oitenta, sobretudo assente na demanda dos ingleses, anos em que a quente província do sul pareceu um estaleiro em obras permanentes. Vi como a ambição desregrada transformou alguns recantos acolhedores em autênticos infernos. E, sobretudo, pude verificar a transformação dos fornecedores dos serviços turísticos, para os quais os portugueses passaram a ser empecilhos, a ocupar o espaço que podia render boas libras. O Algarve anglicanizou-se. Português que não soubesse ponta de inglês podia ter, em muitos sítios, dificuldades para se governar. Passado este quarto de século, tem-se a sensação de que a qualidade do Algarve piorou bastante. Claro que pode ser impressão minha, apenas. Raramente vim até ao Algarve em Agosto e já estou arrependido de o ter feito este ano. Talvez um indicador supremo dessa quebra de qualidade possa ser dado por um pormenor, todavia perturbador. Como se sabe, faliu a cadeia de supermercados Alisuper. Houve encontros entre os credores e o resultado final foi o de ser acordado um plano de recuperação. Mas tudo demorou tanto tempo que, no fim das discussões, não ficou tempo para reabrir os ditos supermercados já nos meses de Julho e Agosto, de modo a satisfazer a procura e as necessidades da estação alta. Só em Setembro, diz-se, os Alisuper reabrirão. Dificilmente se imagina a perturbação criada por este facto. Esta marca caracteriza-se por dispor de uma miríade de pequenos supermercados, quase de aldeamento, suficientes para satisfazer, sem grande trabalho, as necessidades triviais do dia-a-dia. Com eles fechados, restam os grandes, os quais estão, quase sempre, longe do local onde as necessidades se manifestam. Por exemplo, há locais onde é um problema sequer um turista abastecer-se de pão fresco pela manhã.
Acresce a autêntica loucura dos preços. Dos géneros mais comezinhos ao parque de estacionamento. Fiquei siderado ao ver o parque de estacionamento exclusivo duma praia muito frequentada a cobra setenta cêntimos por cada quarto de hora de estacionamento, enquanto a GNR bloqueava os automóveis estacionados nas imediações, onde todo o sítio para estacionar é proibido.
Neste quadro, para muitos portugueses, as férias deste ano serão algo menos agradáveis do que aquilo a que estavam habituados. E a recordação desse facto pode determinar, pelo mesmo efeito corrector que a economia tem sobre os seus próprios acontecimentos, que a procura do Algarve pelos portugueses venha a conhecer, no futuro, alguma recessão também. Se tal vier a acontecer, e porque não são de esperar grandes modificações na situação económica europeia num futuro muito próximo, o Algarve pode vir a perder os turistas nacionais como já perdeu os estrangeiros. E, se e quando for assim, esta riqueza enorme que os portugueses aqui têm ficará mais ou menos inútil.
É bom que atentemos nesta força da economia, aqui traduzida em dois aspectos reciprocamente relacionados. Forçados pelas circunstâncias económicas, os portugueses substituíram os turistas estrangeiros que costumavam demandar a região e reduziram assim, aqui, os efeitos da crise. A má qualidade dos serviços prestados pode vir a afastá-los rapidamente daqui, sem que se vislumbre de onde virá, então, a compensação. Talvez nunca, como agora, o problema do Algarve – má relação qualidade/preço – tenha estado tão perto de produzir os seus efeitos malignos. É o que acontece quando nos esquecemos que a economia real sempre corrige os maus comportamentos económicos.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 12/8/2010

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