A TANGA
Assisti ontem à tomada de posse do Dr. Durão Barroso, no início do seu segundo mandato à frente dos destinos da Europa. O Dr. Durão Barroso é um português que nos enche de orgulho. Em Portugal, dificilmente cumpriria um segundo mandato, tendo em conta o modo como o iniciou. Mas, pelos vistos, a Europa gosta dele. Mas, nesta tomada de posse, o Dr. Durão Barroso surpreendeu-me. Mais do que isso, desiludiu-me. É que eu estava à espera que ele começasse o seu discurso com uma frase de arromba, do género
- Meus amigos, a Europa está de tanga!
E ele, nada. Fez um discurso trivial, ao jeito de um primeiro-ministro português que, olhando-nos sorridente, esfregando as mãos de contentamento e falando com uma convicção que nem o senhor Pinto da Costa, atirando-nos à cara
- Meus amigos, agora é que isto vai!
A culpa é capaz de não ser tanto do Dr. Durão Barroso. É capaz de ser mais da tanga. É que a tanga entusiasma. A tanga tapa o que não deve e destapa o que deve. É isso. No caso português, a tanga até tem sentido único. Só destapa o que deve. Que não é pouco. O que, provavelmente determina que os estrangeiros nos vejam como um país de tanga. E, mesmo assim, são míopes. Porque nem topam a tanga que nós somos capazes de dar. Se eles julgam que a Grécia, com as suas muitas praias eróticas é o país da tanga, que esperem só mais um bocadinho. Até vão ficar parvos com a nossa tanga. Porque, cá em Portugal, tanga é coisa que não falta. Para dar e vender. Mais para dar do que para vender. Por aqui, toda a gente dá tanga. Os preguiçosos dão tanga aos trabalhadores. Os trabalhadores dão tanga ao Governo. Os médicos dão tanga aos doentes. Os enfermeiros também. O Governo dá tanga aos dois. Os bancos dão tanga a toda a gente. Releve-se que o Governo não é capaz de dar tanga aos bancos. O Ministério da Saúde dá tanga aos utentes. O ministério das Finanças dá tanga nos contribuintes. O ministro da Educação dá tanga aos professores. Os alunos dão tanga aos professores. Os pais dão tanga aos professores. O que faz dos professores os maiores detentores de tanga no nosso país. O ministro das obras públicas dá-nos tanga todos os dias, por mais que queiramos dar tanga no TGV e no aeroporto e nas auto-estradas e nas scuts. O que só não faz dele o maior dador de tanga da nação porque temos esse dador de tanga inesquecível , inefável, inebriante, indefectível, inginheiro que é o nosso Primeiro, que dá tanga a toda a gente em geral e a alguns em especial. Já há uma boa dúzia de especiais.
Se chamássemos tanguistas a todos os que dão tanga, então teríamos que chamar ao nosso Primeiro o tanguista-mor. Espero que ele não se zangue comigo por este jogo de palavras. É apenas mais um título para a sua quase infinita colecção de títulos. E este até é um dos mais inofensivos. Por muito que aquele sufixo “mor” o coloque em relevo. Ele é um “môr” de Primeiro. A gente vê aquela confiança no futuro de Portugal que ele respira, suspira e transpira, e fica contagiado. Ficamos com a certeza de que Portugal não expira. À barca os maldizentes, hou lá! À barca os pessimistas, hou lá! À barca os economistas que já foram ministros das finanças, hou lá! À barca os presidentes da república detractores, hou lá! À barca toda essa corja de pessimistas que infectam o país, hou lá! À barca a vontade do povo, esse ignorante, que não vê os brilhantes caminhos do futuro que estamos a rasgar, hou lá! Ah! Gil, Gil! Se pudesses cá voltar, tinhas de inventar uma barca do inferno bem maior! Como dizia um blog que visitei há dias, com inteira justeza, “heróica foi a orquestra do Titanic, que continuou a tocar até o navio se afundar por completo”! Heróicos são os nosso governantes, que estão a remar sozinhos contra a maré, sem remos nem nada!
Eu creio que a tanga tem todas as características do seu equivalente macho, o tango. Sobretudo depois de ler o poeta argentino Discépolo Deluchi: “ tango é um pensamento triste que se pode dançar”, disse ele. Exacto. Não seria possível dizer melhor, com as devidas adaptações. É que nós somos portugueses. Isto é, machistas. Isto é, apreciadores do belo género oposto. Poderíamos recitar, parafraseando o poeta: “a tanga é um pensamento triste que se pode dançar”. É o que andamos a fazer. Andamos todos a dançar. Na corda bamba. Com a tanga que nos dão. Todos. Todos não. Na Madeira, onde se sabe dar tanga como em nenhum outro lugar do território nacional, dança-se sobretudo o bailinho. O que permite uma pergunta legítima: quererá isto dizer que não há qualquer diferença entre a tanga e o bailinho?
Mas há mais afinidades entre o tango e a tanga. Veja-se que o tango é uma música dramática. Não o é menos a tanga. O tango é dançado com paixão. A tanga deixa-nos apaixonados pelos que a dão. O tango é uma dança agressiva. A tanga supera-o. A tanga exprime sexualidade. Bom, aí a tanga nem chega a pedir meças. Darem-nos tanga é o mesmo que mandarem-nos fazer amor. E não há maior expressão de sexualidade que um “vai fazer amor” dito com paixão e carinho. O tango, para ser apaixonante, precisa de um Carlos Gardel, El Morocho, no melhor da sua forma. A tanga, para ser eficaz, precisa também de um Morocho qualquer. Não estou, assim de repente, a lembrar-me de nenhum, mas estou certo que o meu Leitor, sem delongas nem milongas, encontrará uma mão cheia deles por aí. O tango acabava quase sempre na cama. A tanga vai acabar, quase de certeza, na marquise. Isso. Do Instituto de Medicina Legal. Nada pode ser mais parecido do que o tango e a tanga.
- E agora? - perguntará o Leitor mais exigente, perdido no meio destas tangas todas. – Aonde nos conduz tanta tanga?
Não me furto à resposta, Caro Leitor. Eu sei que a tanga é sempre minúscula. Mas é tanta, tanta, que vai conduzir á recuperação do sector têxtil. Que é um sector trabalho-intensivo. Por isso, o desemprego irá diminuir. Com esta diminuição, aumentará o consumo. Como o consumo e a produção são duas faces duma mesma moeda, aumentará a produção nacional da tanga. Gerando mais emprego. A produção da tanga é o cluster que nos faltava, meu Caro Amigo. Depois, quando já todos estivermos de tanga, até vai ser belo. A tanga só não fica bem aos barrigudos à frente e aos barrigudos atrás um pouco mais abaixo. Mas uma das consequências da tanga será precisamente acabar com tais proeminências. Tudo será uma beleza. Com fringe-benefits ainda. Vestidos com a tanga, pesaremos menos e os transportes aéreos poderão embaratecer. Aumentando o tráfego. Justificando o novo aeroporto. De tanga vestidos, ocuparemos menos espaço. Permitindo aumentar os lugares no TGV. Embaratecendo as tarifas. E justificando-o, pois. Tudo vantagens. Não há como a tanga para justificar as OEC. Obras Em Curso. Mesmo que, no fim, estejamos mais de tanga do que já estamos.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 6/5/2010
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