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3.5.10

MEMÓRIA

BOM HUMOR

Portugal tem futuro. O bom humor com que encaramos este molho de bróculos em que nos transformámos é atestado seguro disso. Eu próprio decidi passar a ornar estas minhas linhas do que eu pensava ser bom humor. E digo pensava porque, depois de ler uma mensagem enviada por um Leitor, acho que não passo de aprendiz. Vou guardar-lhe o nome à míngua de autorização. Mas acho que posso dizer, pelo menos, que se trata de um funcionário público. E que, em meia dúzia de observações simples, coloca a nu, de modo hilariante, o absurdo do nosso sistema fiscal. Depois iremos aos comentários. Vamos por agora ao correio. Quero que o meu Caro Leitor partilhe comigo este momento único. Enviado em circunstânciaas políticas diferentes das actuais. Mas, porque tudo vai continuar na mesma durante muito tempo, cheio de actualidade. Ora veja, meu Caro Leitor:

***

"Proposta ao Senhor Ministro das Finanças

Exmo. Senhor Ministro,

Vou alterar a minha condição de funcionário público, passando à qualidade de empresa em nome individual (como os taxistas) ou de uma firma do tipo "Jumentos & Consultores Associados Lda.". Em vez de vencimento, passo a receber contra factura, emitida no fim de cada mês. Ganha o Senhor Ministro, ganho eu e o país que se lixe! Vejamos:

Ganha o Senhor Ministro das Finanças porque:

- Fica com um funcionário a menos
- Livra-se de um futuro pensionista
- Poupa no que teria que pagar a uma empresa externa para avaliar o meu desempenho profissional
- Ganha um trabalhador mais produtivo porque a iniciativa privada é, por definição, mais produtiva que o funcionalismo
- Fica com menos um trabalhador que pode fazer greves e reivindicações
- E ainda dou uma contribuiçãozinha para a secção do seu Partido da minha Freguesia.

E ganho eu porque:

- Deixo de pagar um balúrdio de impostos, pois passo a considerar o salário mínimo para efeitos fiscais e de segurança social
- Vou comprar fraldas, shampoo, papel higiénico, fairy, skip e uma infinidade de outros produtos à Makro, que me emite uma factura com a designação genérica de "artigos de limpeza", pelo que contam como custos para a empresa
- Deixo de ter subsídio de almoço, mas todas as refeições passam a ser consideradas despesa da firma
- Compro um BMW em leasing, em nome da firma, e lanço as facturas do combustível e de manutenção na contabilidade da mesma
- Promovo a senhora das limpezas a auxiliar de limpeza da firma
- E se, no fim, ainda tiver que pagar impostos, não pago, porque três anos depois o Senhor Ministro adopta um perdão fiscal e, nessa ocasião, vou ao banco onde tinha depositada a quantia destinada a impostos, fico com os juros e dou o resto à DGCI

Mas ainda ganho mais:

- Em vez de pagar contribuições para a Caixa Nacional de Pensões, faço aplicações financeiras e obtenho benefícios fiscais, se é que ainda tenho IRS para pagar
- Se tiver filhos na universidade, eles terão isenção de propinas e direito à bolsa máxima (equivalente ao salário mínimo) além de que, se morarem longe da universidade, ainda podem beneficiar de um subsídio adicional para alojamento
- Com essas quantias, compro-lhes um carro que, tal como o outro, será adquirido em nome da firma

Como se pode ver, só teria a ganhar e, afinal, em Portugal ter prejuízo é uma bênção de Deus! Assim dava gosto ser ultra liberal e eu até votava eternamente no partido do Senhor Ministro.".

***

A que eu acrescentaria, em versão mais actualizada, que, ao agir assim, o meu estimado Leitor estava a contribuir para o emprego de mais meio desempregado na função pública, respeitando a regra de um a entrar por cada dois que saiam. O que, não sendo um ganho directo do Senhor Ministro, não deixa de ser uma valiosa contribuição para os objectivos do Senhor Ministro do Emprego, ou lá como se chama agora.

Valha-nos Deus! A demonstração, por redução ao absurdo, de como estamos mal, não podia ser melhor feita. Sendo que o absurdo é, neste caso, a realidade contra a qual nos debatemos. Com uma câmara de eco assim, falar de aumento de impostos é grito em Seteais. E quem o solta tem a grotesca aparência do absurdo. Não adianta andar com aumentos de impostos. Face a um sistema com os índices de injustiça do nosso, aumentar impostos significa apenas um incentivo marginal à evasão. E sejamos honestos. Face a tal iniquidade, evadir-se aos impostos é quase um dever. Quando o sistema se torna injusto a este nível, quando os governantes são os príncipes João de um qualquer condado, tudo quanto se deseja ser é Robin dos Bosques.

Ao ser apoiado por uma maioria na Assembleia da República, ao ter quatro anos de mandato em perfeita estabilidade pela frente, ao proporcionar aos seus ministros a tranquilidade de verem apoiadas as suas medidas sem grande discussão, o que, como sabemos, é uma das condições para encontrar competências dispostas a governar, o actual Governo só não levará a cabo uma justa reforma fiscal se não quiser. Uma reforma em que o IRS a pagar por cada um incida sobre o seu rendimento efectivo, mas onde todos tenham que declarar o seu património mais significativo, devendo justificar a existência dos activos que não seja coerente com o rendimento declarado. Uma reforma em que o IRC leve em conta as necessidades de desenvolvimento, mas não exija pagamentos por conta e pagamentos especiais por conta, numa pirâmide onde a equidade está ausente e a única justificação para a cobrança são as necessidades da conta do Estado. E um IRC do qual desapareçam, sobretudo, os mil e um benefícios que apenas beneficiam aqueles que mais ganham. Uma reforma em que o IVA tenha taxas o menos diferenciadas possível e do qual estejam isentos os produtos de primeira necessidade. E que preveja a apreensão de todas as mercadorias cuja existência não esteja devidamente documentada. Uma reforma onde se façam os veículos automóveis pagar os investimentos públicos que exijem, o desgaste ambiental que provocam, mas que não sejam - em conjunto com os trabalhadores por conta de outrem - os grandes sacrificados pelo défice orçamental do Estado. Uma reforma fiscal, enfim, em que o Estado deixe de ser paizinho para passar a ser a unidade social que constituímos. C'os diabos! Não deve ser assim tão difícil pegar nas vários pontas deste novelo emaranhado que temos e começar a desensarilhar o fio. Noventa por cento de capacidade de afronta dos interesses ilegítimos instalados, cinco por cento de vontade e cinco por cento de trabalho esforçado. Em quatro anos já seria possível apresentar trabalho que se visse.

***

Aqui está, meu prestável Leitor que me enviou o correio, como o seu humor (azedo no conteúdo, que não na forma) despertou em mim ideias tão sérias. E é aproveitando o seu bom humor que eu lhe faço uma pergunta para a qual peço toda a sua sinceridade. Acredita mesmo que, daqui por quatro anos começámos já a desenrolar a meada? Acho bem que acredite. Porque senão até o seu bom humor desaparecerá. Afinal, a gente tem que acreditar nalguma coisa, não é? Diz-se que a esperança é a última coisa a morrer. Eu, depois de todas estas experiências passadas, penso é que a esperança é imorredoira. E crédula

Magalhães Pinto, em VIDA EECONÓMICA, em 5/4/2005

1 comentário:

Ingrid Maganinho disse...

Parabéns pelo fabuloso Artigo. Permita-me só completar com mais uma modernidade.

É que agora os patrões começaram a ter horários, deixando de ter fim de semana e hora de saída (mantém-se a de entrada). Pagam do seu bolso os almoços, telemóveis e respectivas chamadas, usam o seu carro particular em serviço da empresa do qual pagam a manutenção, limpeza, assumem o desgaste, além do combustível e portagens. Muitos destes patrões, pagam ainda do seu bolso, os cartões de visita (da empresa), brindes aos clientes (da empresa), Computador pessoal particular(ao serviço da empresa), farda/fato (condizente com as exigências da empresa). Entre muitos outros sacrifícios que a novel classe patronal é obrigada a fazer para ter uma ocupação e por ainda ter vergonha de se encostar.

A nova classe patronal a que me refiro, são aqueles que ergueram os EUA e a Europa das suas principais crises e cuja importância é essencial mas quase sempre desvalorizada em Portugal. São dos poucos que ganham em função do que produzem, assumem o risco de investir muito do seu bolso e ainda têm que aguentar com a má fama que algumas frutas podres granjearam.
São aqueles que fazem a economia mover-se porque devido aos vencimentos variáveis, podem quando as coisas correm bem fazer umas despesas adicionais ao contrário dos que têm vencimento fixo e a ele ajustada a sua vida.

A classe patronal a que me refiro, são os VENDEDORES que têm todas as obrigações de funcionário, mas nenhum dos direitos. São Patrões!

Têm todos os investimentos de um patrão mas sem cartão visa da empresa ou dividendos no final do ano. São Funcionários!

Abraço

Coloco também este comentário em Artigo no Matosinhos OnLine porque acho que vale a pena divulgar uma situação que a maioria das pessoas desconhece.

Abraço