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23.9.08

CRÓNICA DA SEMANA (II)

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O cenário era claro. Naquele médico, os doentes tinham direito à diferença. Quem trouxesse dinheiro na unha era mais rapidamente atendido do que quem ia dar o trabalho – e sabe-se lá que trabalhos mais. Apesar da urgência, o doente ligou à conhecida companhia de seguros de saúde, a perguntar se estava convencionado tal diferenciação. Recebeu uma negativa rotunda. O que transformava o caso num mistério. O comportamento do médico tornava-se incompreensível. Como é que ele ia tomar uma atitude que, inclusivamente, o seu Código Deontológico proíbe – “Na fixação de honorários deve o Médico proceder com justo critério, atendendo à importância do serviço prestado, à gravidade da doença, ao tempo despendido, às posses dos interessados e aos usos e costumes da terra” – sem ter uma razão para isso? Não que a razão desculpasse a sua atitude. Nada! O médico não pode descriminar os doentes pelas suas posses ou pelos meios de pagamento legítimos que utilize. Demais, a convenção tinha sido livremente celebrada entre o médico e a companhia de seguros e o doente era apenas um aderente, em nenhum sítio lhe tendo sido dito que seria discriminado. O comportamento do médico estava definitiva e irrevogavelmente condenado. Faltava apenas saber se teria atenuantes.

Não as conhecemos. Mas podemos pensar. Não é qualquer doença do foro urológico que nos impede de pensar, por maiores que sejam as dores. A companhia de seguros negociou, provavelmente, preços especiais. Um efeito quantidade sobre o preço. Não é ético. Deve pagar-se o preço justo por aquilo que se adquire. Não é Medicina, é negócio. Aconteceria, provavelmente, outra coisa mais. Se o doente fosse “privado” – como se a adesão a um seguro de saúde nos transformasse em entes públicos, que outros não há – o dinheirinho ficava logo no médico. Sendo parte do preço pago pela companhia de seguros, o médico recebê-lo-á quando a companhia de seguros entender. Nós conhecemos as companhias de seguros. Só que o doente não tinha nada que ver com esse negócio. Mas pagava os ganhos de um e de outra em sofrimento, se não em espécie mais grave. O doente era a vítima de uma guerra entre mercenários que recebiam o seu ganho em Sofrimento.

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Excerto da crónica NULLICARE - Magalhães Pinto - VIDA ECONÓMICA - 25/9/2008

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