. . . OS SINAIS DO NOSSO TEMPO, NUM REGISTO DESPRETENSIOSO, BEM HUMORADO POR VEZES E SEMPRE CRÍTICO. . .
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30.9.08
CRÓNICA DA SEMANA (II)
É um S. Miguel. Para a Comunicação Social. Nada como uma tragédia para fazer vender jornais. E demos agora em estar aflitos com os americanos. Porquê? O raciocínio é simples: a economia americana condiciona a economia mundial. Se a economia americana tossir – e reconheçamos que, actualmente, a tosse é convulsa – o Mundo “fica de molho” durante uma boa temporada. E é isso que a Comunicação Social está a utilizar: a possibilidade de cairmos todos à cama com esta espécie de pneumónica que os americanos estão a espalhar pelo Mundo. Todavia, o serviço prestado aos Portugueses é mínimo. O que importa aos Portugueses, à sua esmagadora maioria, é o que pode passar-se cá. E aí há uma série de ideias a reter de que se fala muito pouco.
1. DIMENSÃO
Em termos demográficos, Portugal é a cidade de Londres. E em termos económicos, Portugal é o Pulo de Lobo. Isto é, a nossa fragilidade, factor de desvantagem quando falamos das coisas boas da economia mundial, é uma grande defesa para as crises. Não se pode tirar força a quem a não tem. Um terramoto derruba os prédios grandes mas quase deixa intactos os casebres. E, no seio da cidade económica, Portugal é um casebre. As ondas de choque da crise surgirão aqui sempre muito atenuadas.
2. CRISE ENDÉMICA
O que acabo de dizer sai reforçado quando se verifica que Portugal vive, há quase uma década, uma crise endémica. Não só estamos acostumados a viver em crise – e quem tem sempre dores quase não nota o aparecimento de uma dor nova – como encontramos maneira de nos desenvencilharmos no meio da crise. Dizer que vem aí uma grande crise tem para nós o sabor de expressão gasta pela usura. Quem é que tem medo da crise se a sentimos há tanto tempo?
3.- SISTEMA BANCÁRIO
Mutatis mutandis, o mesmo se aplica ao nosso sistema bancário. Qualquer banco espanhol é maior do que o nosso sistema bancário todo junto. A crise é caracterizada essencialmente pela falência de bancos e companhias de seguros. Em Portugal, a Caixa Geral de Depósitos pertence ao Estado. Nunca irá à falência. O BES e o BPI são tidos como bem administrados, a começar na remuneração dos gestores. Os bancos estrangeiros a operar no país, se algo acontecer com eles, reforçarão apenas os demais nacionais. Resta o Millennium/BCP. E, a um nível extremamente inferior, o BPN. E se o Estado deixaria eventualmente morrer algo pequenino como é o BPN, já mostrou que fará tudo para salvar o BCP. Já o entregou, pela vontade inefável de Eduardo Catroga, a quem o colocou no doce estado em que se encontra. Faz pouco tempo, reentregou-o, aquando das dificuldades a que foi conduzido por Jardim Gonçalves e os onze administradores. Não seria agora que o iria deixar cair. Além de que uma nacionalização vinha mesmo a jeito para colocar mais uns tantos correligionários dos governantes. Portanto, nenhum receio por aqui. Nem relativamente às companhias de seguros, quase todas encostados aos bancos.
4.- LAVOISIER
Salvo por cataclismo natural, a riqueza obedece parcialmente à lei de Lavoisier. Cria-se mas não se perde. Assistimos apenas à transformação dos seus donos. Olho para os biliões que é necessário injectar nas economias estranhas e pergunto-me: se a riqueza não se perde, para onde foi tamanha riqueza? Mudou de dono, é a conclusão mais sensata. E fica-me na garganta um apagado grito de revolta contra os que usam aquilo que não é seu deste modo criminoso. Peço justiça e sei que ela não virá. Olha-se para as perdas monumentais de alguns bancos, sancionadas por gestores cheios de privilégios, e sentimos parir uma revolta ainda maior. Passarão todos incólumes. Pois se até neste micro organismo que é Portugal assim sucede! Veja-se como os gestores do BCP estãio a safar-se da bronca que arrumaram! Por isso tudo, o desejo de que seja partido o cascalho que tenha que ser. Em Portugal, o cascalho partido não daria para calcetar mais do que uma rua estreita qualquer.
5.- BOLSA
No meio disto tudo, o comportamento das Bolsas. Há-de ser sempre um mistério para mim a súbita perda de valor das empresas. De formação económica, estou acostumado a ver que a realidade das empresas se transforma com alguma lentidão. Mesmo quando parece que é rápido. Salvo por inovações tecnológicas, nunca é rápida a perda de valor das empresas. Pode é ter sido escondida durante muito tempo. Mas os gurus das Bolsas não entendem assim. E, depois, parecem um bando de patos. Um vai numa direcção e todos os demais correm atrás dele, desajeitadamente, asas a esvoaçar e alarido dos grasnidos. A seguir há alguém que se encarrega de gritar na praça pública: PÃNICO NA BOLSA! E já são os patos, os pintos, as pombas, as galinhas, tudo a correr sabe-se lá para onde. Ou melhor, sabe-se. A desfazerem-se do pânico criando ainda mais pânico. Esquecidos de que é do pânico que vivem as sanguessugas que operam nas Bolsas.
6.- CONTRIBUINTES
Ora aí está algo que, em Portugal, joga a nosso favor também. Já não é possível ir buscar muito mais aos contribuintes portugueses, escoados como estão pelos impostos. A frase “os contribuintes é que vão pagar a crise” faz muito sentido para a Am+eriça e para outros países desenvolvidos, mas é mitigada em Portugal. Claro que, por fraca que seja, a crise em Portugal também será paga pelos contribuintes. Mas face à incapacidade de recolher fundos adicionais que se vejam, quem governa o país ver-se-á obrigado a abdicar da construção de algumas obras faraónicas que tem planeadas, para poder desviar os fundos para a crise. O que é algo direito obtido por linhas tortas. E, com um pouco de sorte. Se a crise for muito grande lá fora, até pode acontecer que a Comunidade alivie as regras de equilíbrio orçamental. O que, confessemos, dava um jeitão a Portugal.
7.- DESEMPREGO
Um dos argumentos de quem pretende salvar os bancos falidos e aguentar a crise no patamar onde se encontra. O desemprego. Ó deus? Ainda há espaço para que aumente significativamente o desemprego em Portugal? Só se deixarmos de comer às segundas, quartas e sextas. A entrada em recessão económica – que é algo que pode passar de real a técnica e real – só acrescentará uns pontitos à taxa de desemprego que temos. E podemos sempre contar com o Governo para esconder atrás de estatísticas o aumento que se verificar. O programa Novas Oportunidades absorve-os todos, querem apostar?
8.- PÂNICO
O maior busílis. O pânico pode ser o nosso calcanhar de Aquiles. Se, porventura, corrêssemos todos – injustificadamente, se eu estiver certo no que disse acima – a buscar o dinheiro que temos nos bancos, não haveria outro remédio para eles senão fechar as portas. É preciso compreender como funcionam os bancos. Do dinheiro que depositamos lá, os bancos só guardam no cofre algo como dez a quinze por cento. O resto é emprestado ou investido. Isto quer dizer que o nosso dinheiro não está lá. Pedi-lo seria aniquilá-lo.
Isto é, só o pânico nos pode criar dificuldades. Um pânico injustificado e desnecessário em Portugal. Por isso, o melhor mesmo é manter a calma e assobiar para o lado como se não houvesse nada. Ou, ainda melhor, não perder de vista os combustíveis e continuar a exigir a baixa dos preços. O preço do petróleo está a cair mais abruptamente do que subiu. Gasolina e gasóleo mais baratos, já. Porque essa, a dos preços artificialmente mantidos altos é que é a nossa verdadeira crise. Nossa, dos Portugueses.
Crónica CRISE A LA CARTE - Magalhães Pinto - VIDA ECONÓMICA - 1/10/2008
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