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29.1.09

CRÓNICA DA SEMANA (II)

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É possível partir de uma certeza. A tramitação do processo do Freeport, a sua última fase – que é a que se discute - não foi normal. Teria demorado muito mais tempo, se o fosse. A aceleração da tramitação dos papéis foi deliberadamente provocada, como o mostram os despachos feitos e as datas em que o foram. Houve, portanto, ordens de alguém para que “aquilo” andasse depressa. E porquê? Várias hipóteses explicativas se poderiam alvitrar.

Estaria Portugal urgentemente necessitado do empreendimento? Poderia acontecer se, por exemplo, os tempos fossem os de hoje, de crise, de necessidade de criar emprego a todo o custo, se os desempregados fossem aos montões, se o erário público estivesse já preocupado com a saúde financeira da Segurança Social. Mas não era nada disso. O desemprego ainda não era preocupante. E o Governo de Guterres tinha assegurado a toda a gente o rendimento social mínimo. Não havia fome. As pessoas ainda pagavam as prestações das casas adquiridas com facilidades. A recente adesão ao Euro tinha mesmo transmitido uma sensação de riqueza que só mais tarde viria a desaparecer. Portanto, não foi esse ângulo do interesse nacional a determinar a pressa.

Estariam os investidores dispostos a desistir do empreendimento se ele não fosse urgentemente aprovado e implementado? Impossível. Os ingleses haviam já empatado demasiado dinheiro no projecto de investimento para desistirem dele facilmente. Mais. O simples facto de o empreendimento já lhes ter sido vetado por duas vezes e a sua insistência mostra que eles não desistiriam facilmente.

Estaríamos perante um investimento de ponta, importante para o desenvolvimento do país e que muitos nos prejudicaria se buscasse outras paragens? Ó senhores! Tratava-se “apenas” de um projecto imobiliário. Não há inovação tecnológica, não há valor acrescentado nacional diferente de qualquer outro empreendimento imobiliário, não há efeitos sinergéticos importantes. O futuro viria mesmo a mostrar que os interesses comerciais a ele adjacentes iam dando – se é que não virão a dar – com os burrinhos na água. Nah! Também não era isso.

Seria importante para a Balança de Pagamentos? Tampouco. Aquele projecto só iria acrescentar as importações. E com o Colombo ali por perto, nem sequer se poderia dizer que vinha satisfazer uma necessidade das populações para além das vantagens comerciais habituais e diminutas.

Buscam-se respostas e não se vêem. À medida que avançamos, uma resposta alternativa única começa, insidiosamente, a tomar corpo no nosso espírito. Havia apenas um grande interesse associado ao empreendimento. O dos seus promotores. Os quais, para além de terem investido muito tempo e fazenda no dito, queriam naturalmente levar a sua avante. Apesar do grande óbice das leis ambientais que o proibiam naquele sítio. E, por isso, eles tentavam que as leis mudassem para não terem eles que mudar o projecto. Tudo bem. Mas poder-se-á honestamente dizer que isso era razão para apressar a decisão? Obviamente, não. Bem pelo contrário. Se íamos mexer em Leis que, para serem aprovadas, haviam sido cuidadosamente estudadas, tudo aconselhava a que tal fosse feito com muita calma se, por hipótese mais favorável, se estava a ver algum interesse no empreendimento.

As eleições começaram por estar à vista, o resultado de mudança do Governo começa a ser previsível, as eleições realizam-se e o Governo vai sair. A pressa para aprovar o empreendimento Freeport acelera-se. Caramba! Porquê? O que pode levar um governante a apressar um tal processo? Mais. A fazer esforços inauditos para que o processo não transite para o Governo que aí vem? Estaríamos na presença de um daqueles empreendimentos que o governante quer mesmo que seja despachado ainda por si, a fim de que o seu nome fique ligado, indelevelmente, a algo cuja marca se imprimirá na história económica do país para todo o sempre? Claro que não. Aquilo era só um empreendimento imobiliário.

Chegado a este ponto, se nuvens subsistem no espírito de quem pensa é tão só porque ninguém dá resposta à minha pergunta crucial. E, como ninguém, salvo os ingleses, gosta de viver no meio do nevoeiro, ele é afastado com a única resposta possível depois de pensar um momento em tudo isto. Uma resposta que, nem por ser muito frequente, deixa de ser terrível. Alguém se associou ao interesse dos empreendedores do Freeport. Por idealismo, assim ao jeito de quem diz “deixa lá ajudar estes tipos que já perderam muito tempo com isto”? Ridículo. A associação teve outras motivações. E só se vê uma. Quem ajudou os empreendedores do Freeport ganhou com isso. Dinheiro? É possível. Influência? É possível. Amigos para todo o sempre? É possível. E perdoem o meu cepticismo por não acreditar que ganhou moralmente. Sou incrédulo nos ganhos morais do Estado. O ganho feito teve necessariamente que ter valor material. Quatro milhões, como já se disse? Não sejam loucos. O empreendimento não permitia “gastos extraordinários” desse montante.

Se não responderem à minha pergunta essencial, ninguém me convencerá de que a decisão não foi comprada. O que levanta uma outra questão ainda mais importante. Não há compra sem venda. E, sendo assim, quem foi o vendedor da decisão? É, provavelmente, a parte mais difícil de toda esta embrulhada. Porque, desde o porteiro do ministério até ao Ministro, poderia ter sido qualquer um. Ensina-nos a justiça portuguesa que toda a gente é culpada até se provar que é inocente.

Excerto da crónic FREEPORT - Magalhães Pinto - VIDA ECONÓMICA - 29/1/2009

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