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O Presidente da República fez um discurso, numa das suas visitas integradas no Roteiro da Ciência. Muito duro, sobre o eventual desperdício de recursos num país onde eles são parcos. O ansiado murro na mesa foi dado e de modo nenhum foi para tamborilar na dita. Logo de seguida, o Primeiro-Ministro arregaçou as mangas e procurou dar um murro na mesa ainda mais forte do que o do Presidente, ao dizer que o país dispensa as aves de mau agouro, os bilhetinhos com recados. Fê-lo no ambiente favorável duma manifestação partidária, pois claro. Porque em mais nenhum sítio do país poderia dizer o que disse sem que a assistência jogasse ovos e tomates para o palco. Ao responder ao murro, o Primeiro-Ministro pôs a batalha às claras. O duelo começou. E vai ser um duelo de morte. Se ganhar o Presidente, deixaremos de ter José Sócrates como Primeiro-Ministro. Se ganhar este último, o segundo mandato do Presidente vai por águas abaixo. Mas, se houvesse um mercado de apostas sobre quem será o vencedor, eu jogaria toda a minha fortuna – a dimensão desta assegura que é proveniente de enriquecimento legítimo – na vitória do Presidente. Por várias razões. Saliento algumas.
Em primeiro lugar, o Primeiro-Ministro apresenta-se enfraquecido. Enquanto Cavaco Silva veste – merecidamente – traje de impoluto, José Sócrates arrasta os andrajos de inúmeras suspeições sobre actos do passado. Naturalmente, e sem – até ver – provas daquilo de que é acusado, tudo pode não passar duma campanha. Mas admira-me como é que ainda ninguém tomou à conta um pormenor que não sei se quer dizer alguma coisa. É que, no nosso país, nunca foi feita uma campanha com esta dimensão contra qualquer político. Já houve acusações de gravidade semelhante às acusações imputadas ao líder socialista. Mas, quando houve, provaram praticamente todas serem verdadeiras. Acho que o Primeiro-Ministro devia pensar nisso. Porque é que as acusações contra ele atingiram tal dimensão, tanto em número de acusações como em grandeza de cada qual. A questão da licenciatura, os trabalhos de arquitectura-engenhosa feitos na Beira e o caso Freeport já teriam arrumado com qualquer desconhecido funcionário público, que fará com um ministro. Devia pensar nisso e dar-nos explicações.
Em segundo lugar, o Presidente da República tem razão. Se há algo que tem que pedir-se a quem governa, nestes tempos difíceis que atravessamos, é que seja muito cuidadoso no modo como gasta o dinheiro. Isto não quer dizer que não o gaste. Quer dizer que o gaste com critério, procurando fazer com que, desse gasto, não fique tudo na mesma. Exactamente o que o Presidente disse. A verdade é que o Governo vem, há mais de meio ano, a anunciar rios de dinheiro para a economia, mas não se vêem resultados. Mesmo diminutos. Enquanto, lá por fora, já se começa a falar de alguma estabilização do barco, ainda que continuando a meter água, por aqui o afundanço está a acelerar. As empresas continuam a falir, o desemprego aumenta todos os dias, a miséria começa a surgir, aqui e ali, em traços muito fortes, os sacrifícios de quatro anos de governação vão deixar-nos ainda pior do que estávamos, a dívida pública conhece os espaços siderais, o défice orçamental vai dar que falar ao Dr. Vítor Constâncio. A mais justa caracterização da situação é que vai de mal a pior. E quem assiste ao duelo vê isto, sente isto, dá razão ao Presidente.
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Excerto da crónica DUELO FINAL - Magalhães Pinto - VIDA ECONÓMICA - 23/4/2009
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