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21.4.09

MEMÓRIA

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O homem está doente? O Estado paga. Está desempregado? O Estado paga. Duas vezes. Uma para que o homem tenha o seu quinhão numa riqueza que não ajudou a produzir. Outra para que apareça um local onde ele possa produzir o seu quinhão. Todos devem estudar? O Estado paga. Tanto faz que o homem estude como não. O Estado paga. É necessário guardar os bens pessoais? O Estado paga. É preciso uma estrada nova? O Estado paga. A empresa onde se trabalha vai fechar, por inviável? O Estado paga para que ela não feche. O homem precisa de casa para morar? O Estado paga. Precisa de transportes, tanto para ir para o trabalho como para ir para os seus divertimentos? O Estado paga. O mar não dá peixe? O Estado paga. A chuva estraga a colheira? O Estado paga. O sol estraga a colheita? O Estado paga. O homem prioduz mais do que o mercado absorve? O Estado paga. Produz menos? O Estado paga. A empresa despede? O Estado paga. A empresa admite? O Estado paga. É preciso desmatar as matas? O Estado deve pagar. Há incêndios porque as matas não estão desmatadas? O Estado paga. Nos tempos actuais, o Estado é o responsável por cada um de nós. Pelos que trabalham e pelos que não trabalham. Pelos que querem trabalhar e pelos que não querem trabalhar. Pelos que se comportam de um modo socialmente útil e pelos que são inúteis sociais. Pelos que se cuidam e pelos que se descuidam.

Numa primeira análise, isto deveria dar certo. Afinal, o Estado somos todos nós. E isto seria assim como um pacto de seguro entre nós todos. As nossas vidas, um nível mínimo de bem-estar, estariam assim garantidos para cada um, independente das vicissitudes da sua vida. E, sendo nós o Estado, contibuiríamos todos, com uma parcela do bolo comum para assegurar os maus momentos de cada um. Cada um de nós daria o melhor do seu esforço para que o bolo fosse o maior possível. E, com o bolo na maior dimensão possível, retiraríamos uma fatia, ela também a maior possível, para satisfazer as necessidades dos sem fatia própria. Se todos os homens fossem perfeitos, isto seria possível sem conflito social. Mas os homens não são perfeitos. O trabalho, que devia ser um desejo e um prazer - na medida em que é através dele que produzimos a nossa vida e lhe damos conforto - é encarado como uma pena. Pelo menos, por muitos. E começaram a aparecer os doentes que não estavam doentes. Os desempregados por não quererem trabalhar. Empolados os prejuízos causados por circunstâncias naturais. Os deveres de cada um impingidos ao Estado. Os fugitivos ao contributo pessoal para o bem estar geral. A consequência só podia ser uma. A falência do "Estado-Providência" que tanto trabalho havia dado a construir. Ainda não foi declarada. Mas vamos a caminho dela. Um pouco por todo o lado. E, mais aceleradamente, aqui em Portugal. É um pouco a essa marcha que estamos a assistir. Quando vemos reduzirem-se as comparticipações do Estado para medicamentos. Ou vemos o endurecimento das condições para atribuição dos subsídios de doença ou de desemprego. Quando vemos escolas a fechar. Quando vemos tristemente vazios lugares onde devia haver médicos. Quando a polícia não chega para fazer face ao crime. Quando a justiça não funciona por falta de meios. Quando as pensões vão crescendo a passo de caracol. Se é verdade que muito dinheiro é aplicado em fins de todo não essenciais (vidé os estádios de futebol, por exemplo), a verdade é que se tornou absolutamente incomportável sustentar o Estado-Providência. Sobretudo por força das mil e uma artimanhas a que, quer os que recebem do Estado, quer os que deviam contribuir para o funcionamento do Estado, lançaram mãos para tentar obter mais do que lhes é legítimo.

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Excerto da crónica UM PAPEL ESSENCIAL - Magalhães Pinto - VDA ECONÓMICA - 26/11/2003

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