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25.6.09

MEMÓRIA

Os concursos para o preenchimento de lugares na função pública são constituídos, de um modo geral, por três partes. Como se fossem, cada uma dessas partes, um sub-concurso. O primeiro é o chamado concurso documental. Através dele, o candidato a trabalhar na função pública prova que tem as habilitações requeridas pelo concurso geral lançado pela entidade pública respectiva. O segundo, é uma prova escrita de conhecimentos específicos sobre a função a desempenhar. É como se fosse a prova escrita de um exame qualquer, igual a tantos outros que fazemos na vida. A terceira parte é a chamada entrevista pessoal. E nela, os candidatos são entrevistados pelo júri, tendo em vista aprofundar o conhecimento deste último sobre as características pessoais de cada candidato.

Não se pode dizer que possa ser injusto um conjunto de tais provas de selecção. Através destas, os júris devem estar em condições de classificar ordenadamente todos os candidatos. E, através dessa classificação, ordenar a prioridade no preenchimento dos lugares disponíveis. Lugares disponíveis cujo número, diga-se, é quase sempre conhecido à partida. Isto é, ao classificar os candidatos, qualquer júri sabe, de um modo geral e salvo excepções, quem é que vai encontrar emprego ou quem não vai. Mas há um desequilíbrio grande no modo como está previsto que os três elementos de classificação pesem na classificação final. É que a prova "entrevista" tem, geralmente, um peso desmesurado no conjunto de provas prestadas pelos candidatos. De tal forma pesado que é, geralmente, decisiva para entrar ou não entrar na função pública.

Ao ser assim, todas as suspeições são possíveis. Desde logo, porque a classificação atribuída por um júri na entrevista vai determinar se o candidato entra ou não entra. Depois, porque as entrevistas a que me refiro não são públicas. Isto é, a prova documental são papéis escritos. Não podem ser falsificados sem risco que se descubra. A prova escrita fica escrita e pode ser julgada a qualquer momento. A entrevista é privadíssima e coloca nas mãos do júri a verdadeira escolha dos candidatos a admitir.

É suposto que sejam imparciais, os membros do júri. Mas, nas fragilidades que conhecemos na vida, também podem não sê-lo. E podem privilegiar quem muito bem entendam. A dúvida é legítima, tanto quanto se pode duvidar que a vida seja perfeita. Mas o que resulta deste processo, aliás legal, é outra coisa. É que, se algum júri privilegiar ilegitimamente quem quer que seja, nenhuma prova poderá ser feita em contrário. Nem adiantará a quem quer que seja tentar impugnar qualquer concurso. Não conseguirá provar que houve parcialidade, se porventura a houver. Donde, se alguém, detentor do poder, privilegiar ilegitimamente familiares ou amigos e disso for acusado, resultar perfeitamente demagógico defender-se dizendo que está tudo bem, que nunca ninguém reclamou e que até pede uma inspecção para vir averiguar se está tudo bem ou não. Claro que está tudo bem. Nos papéis. De um ponto de vista formal. Mesmo que, de um ponto de vista real, possa não estar. Donde, que seja uma grande imprudência política empregar muitos familiares e amigos no local onde se tem poder. Porque, em política, o que parece é. E parecerá que se está a transformar o local onde se manda num grande asilo para familiares e amigos.

Crónica SER E PARECER - Magalhães Pinto - MATOSINHOS HOJE - 6/2/2004

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