Sempre acontece assim. Estamos a escrever a história do futuro. Eu, o meu Leitor, os que passam ao nosso lado, os que nos governam, aqueles que mandam no mundo. Mas nunca tinha realizado intuído isso de modo tão perfeito como me acontece agora, depois de ler um livro estranho. Um livro perturbador. “Breve História do Futuro” de Jacques Atali. De início, tem-se a impressão de se ter mergulhado numa história de ficção científica. Mas, a pouco e pouco, toma-se consciência de que ele fala das nossas coisas. De como chegamos até aqui e, tendo em conta as lições da História, de como vai ser ainda, provavelmente, o nosso mundo e, seguramente, de como vai ser o mundo dos nossos filhos.
Jacques Atali não é um autor qualquer. Tem a obrigação de saber do que fala. Francês de ascendência italiana, é economista e político. Foi conselheiro do Presidente francês François Miterrand e é, actualmente, presidente de uma comissão, nomeada pelo Presidente Nicholas Sarkozy, que está a estudar os obstáculos que se opõem ao crescimento económico. Depois de ler o livro, não tenho dúvida de que é, também, um visionário. Mas um visionário que tem os pés bem assentes no chão e que estudou muito bem a história económica desde as suas origens. Repare-se neste período do seu livro, publicado em 2006 e, seguramente, escrito antes:
“Em 2025 ou 2030, a América deixará de conseguir manter no seu território a maior parte dos lucros das suas empresas; as despesas de organização. Internas e externas, terão aumentado de tal forma que o défice estrutural da sua balança de pagamentos se tornará insuperável. A Ásia, que assegurará ainda em larga medida o financiamento dos EUA, precisará então desses recursos para reduzir as desigualdades entre regiões, para lutar contra os problemas urbanos, para implementar o seu próprio sistema de pensões sociais e de reformas. Pequim resolverá deixar de financiar a baixo custo o défice americano e optará mesmo por repatriar os capitais investidos em títulos americanos. Outros bancos centrais estrangeiros começarão a equilibrar as suas reservas noutras divisas. O Tesouro americano terá de propor um rendimento muito mais elevado para os seus empréstimos, agravando o custo para os Americanos dos novos contratos de venda a crédito, dos empréstimos hipotecários e das dívidas indexadas com taxas variáveis, como os cartões de crédito. As famílias americanas ver-se-ão obrigadas a vender as suas habitações, que constituirá a garantia para aquisição de crédito; o preço do imobiliário nos EUA baixará consideravelmente; a pirâmide do crédito, que tem por base o valor das habitações dos Americanos, acabará por se desmoronar. As famílias americanas tornar-se-ão insolventes. As companhias de seguros exigirão o pagamento dos prémios. O Estado Federal não poderá socorrer os mais desfavorecidos, estando ele próprio paralisado, como todo o sistema financeiro americano. A produção abrandará e o desemprego atingirá proporções até então desconhecidas. A crise poderá também advir mais directamente da incapacidade do sistema financeiro de conservar as suas poupanças, as quais se deslocarão, de forma cada vez mais especulativa, em fundos geridos através da Internet a partir de paraísos fiscais. A rentabilidade dos capitais já não poderá ser mantida através da subida de valor dos activos. Desencadear-se-á a crise financeira.”.
Um erro apenas se pode apontar a Atali. Ele disse que isto iria acontecer de modo grave cerca de 1925/1930. E nós sabemos que já está a acontecer. De um modo que Jacques Atali não podia conhecer. O banco Lehman Borthers, que acaba de falir, valia em bolsa, cerca de trinta vezes mais do que valia no momento em que foi anunciada a falência, quandao Atali estava a publicar o seu livro citado. O qual, depois de analisar a evolução de praticamente todos os países relevantes do mundo, acaba por conluir que é bem possível que nesta rearrumação toda do mundo a que estamos a assistir ou, melhor, que estamos a construir, tenhamos que passar por um hiperconflito para virmos a ter uma hiperdemocracia, onde praticamente terão desaparecido os poderes centrais dos países.
Preocupante e, como já disse, perturbador, esta obra. Da qual me ficou uma interrogação crucial. Que estamos a fazer, em Portugal, para nos situarmos convenientemente no futuro próximo, no qual todas as nossas certezas desaparecerão, na voracidade de acontecimentos que tenderão a suceder-se mais rápido do que o nosso pensamento conseguirá acompanhar? Parece-me que muito pouco. É curioso verificar que, enquanto Jacques Atali preconiza para Portugal, se quiser melhor defender-se neste quadro, a construção de um grande porto de mar, nós vamos construir um gigantesco porto de ar. Mais diz ainda Atali. Que é necessário privilegiar a educação e a formação das pessoas, mantendo, ao mesmo tempo, um elevado grau de atracção para a qualidade intelectual. Tudo a que temos v8indo a assistir neste domínio seria risível, se não fosse o dramatismo de que poderá revestir-se a curto prazo. Talvez já devêssemos ter eliminado, do nosso sistema financeiro, bancos com actuação semelhante àquela que está agora a desbaratar as fortíssimas instituições americanas. Por exemplo, o BCP. Mas não. Estamos a contemporizar, na procura de uma salvaguarda que aparenta não existir. Devíamos concentrar os nossos esforços de investimento naquilo que vai realmente valer a pena neste conturbado futuro próximo. Andamos a construir ferrovias.
No final da leitura desta obra – que recomendo aos que me lêem – fiquei com a sensação de que, muito provavelmente, Portugal não resistirá nesta arrumação. Não tanto porque já não seja possível fazer o que seria necessário. Mas sim porque o que quer que venhamos a fazer de útil, será já tardio. Perdemos, inexoravelmente, as oportunidades que a Revolução de Abril nos colocou aos pés. Não haveremos de queixar-nos senão de nós próprios. E ficou-me apenas a bruxulear no fundo do espírito – para utilizar uma expressão que parece dar-nos algum gozo – uma luz ao fundo do túnel. É que os cenários antevistos por aqueles que conseguem ver mais longe têm, para além do seu carácter de aviso, uma característica importante: é que permitem tomar as atitudes que evitem, se não totalmente, pelos menos parcialmente, os acontecimentos mais dolorosos de todos quantos foram previstos. Se soubermos ver com humildade e não nos refugiarmos nas nossas teorias de sábios. Mas não tenhamos dúvidas. Algumas coisas que Atali previu já estão a acontecer.
Crónica A HISTÓRIA DO FUTURO - Magalhães Pinto - VIDA ECONÓMICA - 17/9/2008
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