(continuação)
Agora, Mário percebia o íntimo mal estar que se apossara dele na véspera, ao saber da operação a fazer. Contrariedade ganhando contornos de medo pela noite dentro. Medo. Naquela singular situação, hipnoticamente imobilizador. Medo. Íntimo companheiro da alma durante aqueles dois longos anos. Medo. Que, neste momento, percorria avassaladoramente cada canto do seu corpo, agarrando tenazmente cada célula, cada orgão, cada músculo, embotando-lhe a vontade, impedindo o comando da razão sobre a matéria, provocando vagamente o desejo de arremessar a arma para longe, abraçar o adversário e ir para qualquer sítio, longínquo, onde não houvesse homens nem armas nem guerras nem ódio nem dor. Um sítio onde as flores nunca murchassem e as crianças nunca crescessem, onde as aves fizessem os seus ninhos com raios de luar e oferecessem as suas penas para leito duma alma dolorida, cansada, ansiosa por adormecer serenamente, sem remorso, por uma eternidade. Um desejo irrealizável, admitiu, perdido na confusão da miríade de pensamentos a atravessarem-lhe o espírito como um relâmpago.
(continua)
Magalhães Pinto
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