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3.9.08

OS HERÓIS E O MEDO - 373º. fascículo

(continuação)

Naquele momento de emoções à deriva, Mário percebeu que jamais voltaria a ser o mesmo, depois da tragédia vivida naquelas ardentes e húmidas terras da Guiné. Nem a perspectiva de rever a família, nem um vago desejo de retomar os estudos interrompidos em fase crucial, nem a antevisão do regresso às velhas ruas da sua cidade e às discussões acaloradas com os amigos de juventude, nem a suave recordação de uma Fátima doce, à sua espera, pareciam ter suficiente importância para se sobreporem aos sulcos indeléveis lavrados na sua alma por aqueles dois anos marcantes. A companhia da morte e do sofrimento, da mutilação e do ódio abstracto, da alegria oca apoiada num par de anedotas sujas ou numa borracheira voluntariamente procurada, as garras da fome e da sede tantas vezes sentidas, as interrogações mil vezes feitas e mil vezes irrespondidas, os pacíficos homens e mulheres negros perseguidos pelos dois lados, as crianças perdidas na enorme confusão da gente grande, tendo por lápis de aprendizagem uma arma e por borracha uma granada, eram argumentos capazes de empedernir o mais meigo e sensível carácter.

(continua)
Magalhães Pinto

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