Temos que dar um desconto. Analisado do ponto de vista do prejuízo provocado nas contas públicas, isto é, ao povo português, o episódio do helicóptero de Lamego é uma ninharia. Todo o prejuízo fosse este. Meia hora? Uma hora? Provavelmente, nem sequer contabilizadas como custo a pagar pelo Estado. Face aos desperdícios do "Porto - Capital da Cultura 2001", por exemplo, aquilo do helicóptero é ridículo.
Estou mesmo a ver o que aconteceu. Depois da ginástica toda no apagamento dos incêndios, o piloto do helicóptero, de sua conta e risco, entendia proporcionar aos paspalhos amigos um divertimento jamais visto: andar de helicóptero. Terá começado por um jeitinho de amigo, ocasional, esporádico. Mas estas coisas constam. E aparece um amigo do amigo. E mais outro, E outro ainda. E aquilo que devia ser um caso sem exemplo, ganha foros de regularidade. Vamos lá ao jeito. Cinco minutos a ver a cidade de cima para baixo. Os presumíveis responsáveis pelo funcionamento das coisas - a responsabilidade é sempre presumida em Portugal - sabem mas não se importam. Encolhem os ombros. Aqueles pequenos voos não vão ser visivelmente facturados, não vai ser necessário colocar nenhuma assinatura por baixo a dizer "pague-se". Portanto, não vem mal ao mundo. E ninguém pedirá responsabilidades. Esqueceram-se de que há jornalistas a espiar. Malditos jornalistas! Estão sempre onde não devem. Apetece mesmo mandá-los dar uma curva. Sorte para os jornalistas. Têm câmara para registar os factos. Senão, levavam com uma acção de difamação em cima. Que é outra coisa que está na moda. Acções por difamação.
Mal as imagens vão para o ar, um dos atingidos pelo escândalo apressa-se a dizer: "foi, mas só depois das sete horas da tarde, que é quando fecha o controlo e coordenação dos ataques aéreos aos incêndios". Uma cabala, é a ideia que ela quer deixar no ar. Mas não podemos embarcar nisso. Porque, insidiosamente, uma outra pergunta me fica a bailar no espírito. Então, os incêndios continuam e a coordenação fecha? Isto é, se o helicóptero ainda pode voar para passear amigos, não pode para combater incêndios? Percebe-se o porquê da defesa. É que se os passeios de helicóptero tivessem lugar durante tempo em que deveriam estar a combater incêndios, o crime seria monumental. Não pelo prejuízo. Mas pela irresponsabilidade. Só que, SE O HELICÓPTERO PODIA VOAR PARA PASSEIOS, TAMBÉM PODIA VOAR PARA ATACAR INCÊNDIOS!. Estão a ver como a teoria da cabala nos faz perder o importante de vista? O que está em causa não é o que custaram, ao erário público em facturas pagas, os passeios helicoidais. Provavelmente, nada. O que está em causa é os prejuízos causados ao erário público por não voarem, para combater incêndios pavorosos, helicópteros contratados para isso, entretanto a voar com fins lúdicos.
O meu pobre Portugal está a saque. Cada qual, enformado por uma qualquer responsabilidade, encara esta como uma prerrogativa feudal. A coisa pública não é de todos. É de quem recebe o encargo de velar por ela. Não tenho dúvidas em afirmar de que esta é a grande cabala existente em Portugal. Provavelmente, a única. O Poder, abstractamente considerado, seja ele de um contínuo ou de um presidente, não é uma responsabilidade. É uma autoridade. Posso, quero, mando, paguem-me para isso. E, enquanto assim for, estamos conversados. Só podemos ir cada vez mais para o fundo.
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Excerto da crónica A TEIA - Magalhães Pinto - MATOSINHOS HOJE - 29/9/2003
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