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25.8.11

CRÓNICA DA SEMANA - II




O PECADO PROIBIDO

O Bloco de Esquerda tomou conhecimento, através da comunicação social, da possível existência de um crédito concedido pelo BPN à Amorim Energia para a compra de uma participação na Galp.
Segundo a notícia, o crédito, da ordem dos 1600 milhões de euros, teria sido concedido pelo BPN à Amorim Energia em 2006, antes do processo de nacionalização. A mesma fonte avança que o empréstimo não chegou a ser pago pela holding ao BPN, mantendo-se assim a divida de 1600 milhões de euros durante todo o período em que o Banco esteve na posse do Estado.

A transcrição acima é feita de um requerimento apresentado pelo Bloco de Esquerda na Assembleia da República e ilustra bem o cuidado que o Governo tem de ter, relativamente à informação pública que dá dos seus actos. É algo que requer do Governo uma actuação de verdadeiro equilibrista a fazer malabarismos em cima do gume da navalha. Com a agravante de que, por debaixo do equipamento de equilíbrio, está a oposição a tentar fazer com que o Governo se desequilibre. Como este caso do BPN bem ilustra. Mas não há outra solução. Foram já pedidos sacrifícios bem graves aos cidadãos. Muitos e mais graves sacrifícios vão ter de ser pedidos. E os portugueses já mostraram qual vai ser a sua atitude. Cooperante com os governantes se entenderem bem para que são feitos tais sacrifícios e, mais do que isso, se estiverem convencidos de que, nas suas costas e pelas alturas, não estão a ser feitas negociatas. E haverá o Governo de ter presente que “fazer negociatas” não quer dizer apenas “fazê-las mesmo”; terá também de nunca parecer que as estão a fazer. É um pecado proibido ao Governo: manter no silêncio dos gabinetes algo que, porventura, até devia lá ficar, mas que face ao esforço pedido a toda a nação, não pode ficar. Tudo tem de ser muito bem explicado.

Lemos o documento apresentado pelo Bloco de Esquerda e, em suma, ele não diz nada, Tudo é apresentado em termos de eventualidade, não de acontecimento real. Mas é suficiente para fazer nascer a dúvida. Até ao momento em que escrevo esta crónica, o Governo ainda não disse nada. Oxalá o faça rapidamente. Aliás, a situação é de molde a deixar sementes de malícia depois muito dificilmente erradicadas. Vejamos em pormenor.

1.       Não há a certeza de que o financiamento tenha sido feito; embora tudo leve a crer que sim; desde que as privatizações foram iniciadas, muitas compras foram realizadas desse modo; os bancos emprestaram dinheiro aos clientes que acorreram às privatizações;

2.       Se ampliarmos o ângulo de visão, muitos bancos, nos seus aumentos de capital usaram do mesmo instrumento, financiando os seus clientes com empréstimos que eles aplicaram nos aumentos de capital; o caso mais conhecido é o do BCP com os seus pequenos subscritores;

3.       É natural que um crédito de tão elevado montante não esteja ainda pago; nem daí vem mal ao mundo, uma vez que está seguramente garantido, pelo menos pelas próprias acções adquiridas com o crédito concedido; e não se pode dizer que acções da GALP sejam uma má garantia.

Até aqui, tudo bem. Não há nenhuma irregularidade. Mas o BPN, depois de todas as vicissitudes atravessadas, foi vendido ao BIC, um banco de capitais angolanos, de que o maior accionista maioritário é sócio do beneficiário do crédito em questão, a empresa Amorim Energia. Basta o novelo de participações referidas – BPN vendido a uma empresa é accionista de uma accionista do beneficiário de crédito avultado concedido pelo mesmo BPN – para deixar no ar uma poeira, porventura mais virtual do que real, mas que é necessário sacudir.

Vislumbramos algumas alternativas sobre o que se terá passado. Vamos a elas.

1.       O BPN foi vendido levando como activo o dito crédito de 1,6 milhões de euros; seguramente, o preço de venda foi calculado tomando em conta esse activo;

2.       A CGD tomou para si esse activo e o BPN foi vendido sem o levar consigo; de igual modo, o preço de venda seria agora inferior pelo valor desse activo; ficando a CGD de receber, segundo o calendário acordado, o respectivo montante;

3.       O preço de venda do BPN anunciado incluiria o pagamento do crédito em questão.

A primeira alternativa foi provavelmente o que aconteceu. E isto porque não faria qualquer sentido que o comprador do BPN não considerasse “bom” um activo representando um crédito sobre uma outra empresa de que, indirectamente, era tal comprador accionista. Mas, sendo o provável, é necessário que o Governo o diga claramente. Foi assim que sucedeu. Sei que nem o Estado nem as instituições de crédito devem andar na praça pública, como arautos da transparência, a pôr a nu as operações que fazem com os seus clientes. É um direito que quer eu, quer o meu Leitor, quer todos os clientes de um banco, têm e podem exigir ver respeitado. Mas a particular situação do país exige comportamentos que, normalmente, não seriam admissíveis. Acontecendo mesmo, neste caso, que se for anunciado que foi isto que aconteceu, todos ficarão bem na fotografia: quem beneficiou do crédito, quem comprou o BPN e o Governo que o vendeu (através da CGD.).

Mas, se não foi isso que sucedeu, então não se entenderá muito bem. E, por isso, se tornará ainda mais premente a explicação. Para que tal acontecesse, tinha de haver uma razão muito ponderosa. Mas que eu não consigo vislumbrar, seguramente tal como os meus Leitores. Por isso, a explicação tem de vir clara, cabal, sem subterfúgios, se estivermos diante de qualquer uma das alternativas referidas.

Não se diga que estamos a falar de feijões. Ninguém admitirá que, no caso do BPN – uma empresa dificílima de privatizar mas relativamente à qual estávamos obrigados a fazê-lo, por imperativo da “troika” e, ainda por cima, com prazo extremamente curto para o fazer – posso haver qualquer negociata. É um caso que não dava para isso. Mas não é o negócio que está em causa. O que está em causa é a confiança dos portugueses no seu Governo. De modo a que possam aceitar os sacrifícios que este lhes está a pedir, lhes vai pedir.

É diabólico para um Governo, normalmente obrigado a calar muitos pormenores da sua governação por conveniência pública, não poder calar nada relativamente a tudo que possa parecer dúbio. Mas esse é talvez o único legado que José Sócrates nos deixou no meio da desgraça toda: o de não admitirmos que o Estado faça coisas nas nossas costas. Só por isso, quase merece perdão o ex-governante.

 Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 25/8/2011

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