DIÁLOGO COM LOUCOS
Foi uma conversa amena com um amigo galego, ali de Vigo. Por comodidade para o Leitor, traduzo a conversa do meu amigo, na parte que interessa. Ainda que, embora sendo galego, ele fale muito claro.
***
- Dificilmente me apanhas mais na tua terra, António…
- Então porquê? Olha que em Matosinhos continua a comer-se muito bem!
- Em primeiro lugar, porque vocês nos consideram estrangeiros…
- Hom’essa! Tu és tão cidadão europeu como eu, Paco! E se há um país acolhedor para os antigos estrangeiros é o meu querido Portugal!
- Tretas! O teu Primeiro não quer galegos na tua terra! Nós, galegos, somos os ciganos do teu Primeiro!
- Tás tolo! Quem te disse isso?
- Foi escarrapachado por todo lado pelo teu Governo, António…
- Não acredito! O meu Primeiro-Ministro está farto de dizer que nós somos um país adiantado, relativamente aos outros. Não ia fazer uma descriminação dessas…
- Então diz-me, como é que tu pagas as portagens?
- Depende…
- Vês? Já estás a começar a ficar baralhado…
- Não estou nada, Paco! Depende da auto-estrada em que circulo…
- Ahhhh… Vocês têm mais do que um tipo de auto-estrada…
- Claro! Até temos mais do que dois! As vias rápidas, as auto-estradas propriamente ditas e as secutes… E, conforme o tipo, assim pagamos. Isto é, as vias rápidas são de borla, nas auto-estradas pago com euros ou com cartão de crédito e nas secutes pago com cartão de crédito ou por factura que me enviam para casa…
- Ena! Que grande organização! Vão mandar-te a factura para casa? A ti e a todos?.. E como é que eles sabem onde moras?
- Porque compro um aparelhozinho electrónico que ponho no carro…
- Aí é que está o busílis! A mim, fazem-me comprar aparelho e, depois, depende…
- Agora és tu o baralhado! Depende de quê?
- Se eu quero o aparelho para usar só uma vez ou para mais do que uma!
- Como assim?
- Se é só para utilizar só uma vez, posso devolver o aparelho, embora me devolvam uma ridicularia do preço; se é para utilizar mais do que uma vez, posso ficar com ele…
- Tás a ver? Não é assim tão diferente!...
- O tanas é que não é! A mim não me mandam a factura para casa! Somos todos europeus, mas para o teu Primeiro há uns mais europeus do que outros…
- Não pode ser, Paco! O Tratado Europeu é claro! Tu podes circular tão livremente em Portugal como eu posso circular em Espanha!...
- Vai explicar isso ao teu Primeiro. Eu tenho que pagar adiantado!...
- Ó Paco! Isso, se calhar, é porque vocês, os espanhóis, estão a dever dinheiro a toda a gente! Não tendes crédito! A culpa não é nossa, é das agências de rating…
- Isso não passa duma desculpa! Mas não julgues que ficamos por aqui! O teu Primeiro decidiu fazer os galegos pagar um imposto em Portugal! Basta porem cá os pés e ele cobra o imposto!
- Nessa não acredito Paco!
- Podes acreditar, António! É assim: se quero ir mais do que uma vez a Portugal, carrego o aparelho com cem euros; e, depois, ou uso os cem euros em três meses ou o saldo voa para os cofres do teu Primeiro…
- Isso é amor, Paco! É exactamente o contrário do que estás a pensar! Em vez de não te querer cá, ele quer-te cá muitas vezes!
- Isto é um roubo, é o que é, pá! Mas que vá roubar os ingleses! Ou a ti! Que ele te roube a ti, estou-me nas tintas, agora a mim não! Sou galego mas não sou burro!
- Cala-te, Paco! Ele ainda te ouve e lança um imposto de circulação sobre os burros! Embora com os burros que há em Portugal, quem sabe se isso não seria a salvação das finanças públicas…
- Se calhar só ainda não se lembrou dessa porque teria que pagar imposto também… Ele tem burros ao seu serviço?
- Nã! Ele não é alentejano nem algarvio, Paco… Muito menos saloio!...
- Eu pergunto-me porque é que ele foi inventar essa coisa das secutes…
- Não foi ele, foi um parente… E é fácil saber para quê, foi para a gente andar mais depressa sem desembolsar nada…
- Ahhhh! Foi esse parente que pagou as tais secutes, António?
- Tu és parvo?! Então eles pagam alguma coisa? Têm sido os nossos impostos a pagar…
- Pera aí, não estou a entender… Então vocês estão a pagar as secutes com os impostos e vão pagá-las outra vez com as portagens?
- Ó Paco, tu, quando pagas impostos, sabes para onde é que eles vão? Olha, pode muito bem acontecer que os impostos destinados às secutes tenham pago um milhão de computadores…
- Isso ultrapassa-me, pá, é demasiado complicado para mim! Na minha casa, eu só compro esses luxos se tenho dinheiro para eles…
- Agora és tu que estás a ser burro! Um computador não é um luxo…
- Isso, eu não sei. Só sei que, lá em casa, primeiro tenho que ter pão e, só depois, computadores…
- Tens uma visão muito mesquinha do futuro, Paco! Isto pode causar dificuldades agora, mas o nosso futuro vai ser brilhante…
- Se chegares ao futuro…
- Chego e depressa! Tenho as secutes…
- E não tens pão…
- Mas tenho as secutes…
- Até podias ter o dobro, estás a pagá-las duas vezes…
- Mas tenho as secutes…
- Segundo me consta, para já não tens… estás nas filas para comprar o aparelho…
- Mas as secutes estão aí, à minha espera…
- O melhor é esperares sentado, senão cansas-te…
- Nas secutes?...
- Olha lá, como é que vais fazer para me visitares na Galiza?...
- Vou pelas secutes…
- Mas isso só quando tiveres o aparelhito… Já o tens?
- Não, mas as secutes já tenho…
- Mas enquanto não tiveres, não podes ir pelas secutes!...
- Ó Paco, tu julgas que somos alguns pelintras e que só temos as secutes?
- Já sei que não sois! Mas o trânsito não está muito engarrafado nas outras estradas?
- Lá isso está. Demora-se o dobro do tempo a chegar… Por isso é que se fizeram as secutes…
- Não percebo! Primeiro, deram-te as secutes para ires depressa; e, agora, criam-te uma burocracia do caraças que te faz andar devagar…
- Não percebes, porque não queres perceber. As secutes são como o tal milhão de computadores. Não interessa se são usadas ou não. O que interessa é tê-las…
- Bom! Já vi que não chegamos a lado nenhum. Fica tu com as secutes, que eu vou mas é ver se não venho mais à tua terra… Não estou para ser explorado como tu… Ou melhor, ainda cá venho mais quatro vezes este fim-de-semana, mas não volto depois. Nem para vir ao Ikea…
- Quatro vezes?...
- Sim! Tenho que gastar os cem euros que me forçaram a carregar no aparelhito. Não vou deixar o saldo para o teu Primeiro. É como se tivéssemos feito um contrato. Ele considera-me estúpido e eu não deixo que ele me roube. Até mais ver, António!
- Adeus, Paco. Recomendações à família…
***
O Paco lá foi para a Galiza. E eu aproveitei para ir, pela décima vez, à estação dos correios para comprar o chip. Tirei a senha. Era o número 139. Olhei para o mostrador de atendimento. Ia no número 12. Pelas minhas contas, já o Paco estaria na Galiza, a descansar, quando eu conseguisse comprar o chip. Fiz um apelo à minha sanidade mental. E decidi-me. Amarfanhei a senha e deitei-a ao lixo. Seria noutro dia. Telefonei para casa, a dizer que só apareceria para jantar lá para a meia-noite. Estava um engarrafamento monumental na estrada para a Póvoa.
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