O PESSIMISMO
Como tantos outros, ando muito pessimista sobre o futuro do nosso país, como os meus escritos têm mostrado. Um pessimismo a que um amigo já chamou de “esperança desesperançada”, com alguma razão. É que, por um lado, penso na nossa História e no modo como sempre encontrámos alguma via para sairmos dos buracos em que nos metemos. Mas, por outro lado, reconheço que tal exige a existência de líderes capazes de inspirar os comportamentos colectivos e mostrar os caminhos a desbravar. Papel que hoje, nesta democracia estiolada e à qual não se vislumbram vias de desenvolvimento, pertence à classe política. Ora, o meu pessimismo tem por base, essencialmente, o comportamento da classe política que temos. Dou, aliás, conta muito detalhada das razões que me conduzem a tal pessimismo no meu último livro, a publicar no próximo mês, um livro cujo título parece dizer tudo. “NÃO HAVERÁ AMANHÔ se chama ele. Uma fábula pretensamente ambicionando desmontar o rol de aparências em que o exercício da política se embrulha. Todos os dias. Já que, todos os dias, encontramos razões para renovar a desesperança. Como as duas notícias seguintes, colhidas durante o último fim-de-semana.
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A primeira foi a de que a última gestão do município de Espinho deixou a Câmara terrivelmente endividada. Quase cinquenta milhões de euros de dívida, cuja possibilidade de pagamento não se vislumbra para as próximas décadas. Com uma agravante de tomo. Quase oito milhões de euros nem sequer haviam tido cabimento orçamental. Quer isto dizer que são dívidas clandestinas. A gestão da Câmara não só gastou o dinheiro que, por lei, podia gastar como foi para além disso, gastando fazenda que não tinha em parte alguma. Recorde-se que foi a propósito desta gestão que andou, durante muito tempo, nos órgãos de comunicação social, a denúncia de viagens ao Brasil para, segundo se argumentava, fazer coisa nenhuma.
Entretanto, houve eleições, mudou a gerência da Câmara, os novos gestores pediram uma auditoria, a qual revelou a situação financeira quase trágica do município. E já não havia a quem pedir responsabilidades. O executivo que originou esta situação, com o respectivo presidente, saíram de cena e nada nem ninguém os responsabilizou, responsabiliza ou responsabilizará pela situação que criaram.
Parece-me estar a ouvir os democratas mais puristas a dizer em voz alta: “Tais gestores já foram responsabilizados; perderam as eleições!”. E chega? Um despedimento com justa causa sem pedido de indemnização, num tal caso, é suficiente?
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Uma segunda notícia foi a de que os ilustres governantes e deputados que temos se preparam para riscar da lei uma disposição do tempo de Salazar que, precisamente, responsabilizava os autarcas pela má gestão que fizessem das suas autarquias. Uma lei que, se quisessem e houvesse vontade de rigor, poderia responsabilizar o tal executivo de Espinho (e outros, uma vez que há tantos iguais) que, entretanto, desapareceu de cena.
Na circunstância, o Presidente Nacional dos autarcas veio a terreiro defender a bondade de uma tal medida. Segundo ele, os autarcas não podem saber de tudo. E, por isso, se há alguém a responsabilizar neste caso, são os técnicos dos municípios.
É de um cinismo confrangedor esta atitude do Presidente da Câmara Municipal de Viseu e da Associação dos Municípios. É como se estivéssemos a dizer que os culpados das derrotas bélicas não são os generais, mas sim os soldados que se deixam morrer no campo de batalha em lugar de abaterem inimigos.
Se alguém não sabe, pelo menos, fazer contas de somar, não deve candidatar-se a político e, muito menos, a gestor de um município. A verdade é que, em muitos casos, eles sabem apenas fazer contas de subtrair.
A irresponsabilização dos autarcas prevista para integrar a próxima Lei do Orçamento Geral do Estado é, por isso, uma acha mais que se atira para a descredibilização dos líderes que temos.
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O Professor Daniel Bessa, do Porto, personalidade que há muito me habituei a apreciar desde há muitos anos – desde quando foi meu professor na Faculdade de Economia do Porto - pelas suas posições tecnicamente fundamentadas e calmamente expressas, afirmou, num destes últimos dias, que “vamos entrar num período profundíssimo de recessão, durante muitos anos.”.
É uma opinião muito comum, nos tempos que correm. Mas a valer, naturalmente, muito mais do que a minha. Só que a mim não me chega acolher, acreditar e comungar daquela opinião. Necessito saber mais. Porque chegamos até aqui? Porque não enc0ontramos caminhos para sair daqui? Voltam as puras avezinhas democratas a sussurrar-me ao ouvido: “a culpa é de todos, meu caro; em democracia, a culpa é de todos”. Peço desculpa, mas não é. A culpa é de todos os que tiveram artes de ganhar a confiança dos eleitores num dado momento, para a traírem no momento seguinte. E um acto de traição – perdoe-me La Palisse – é um acto de traição. Que eu saiba, só muito raramente, os traídos foram de algum modo culpados da traição que os vitimou. E nunca, como acontece neste caso, quando a traição vitimou a ingenuidade política de um povo generoso que não regateia os esforços que lhe pedem. E sempre guardaram a capacidade de punir os traidores.
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Um quadro cheio. Feito da essência das coisas. Os políticos são, ao mesmo tempo, os fazedores da lei, os incumpridores da lei e os sentenciadores dos réus. Enquanto assim for, esta democracia é tão só uma peça teatral cujo desfecho do enredo está previamente determinado. E é apenas um. Sem alternativa. O que não deixa de ser irónico quando os puros democratas de missal nos recitam que ESTA democracia é, precisamente, o regime que nos oferece alternativas.
São razões deste género que me levam a estar pessimista e a dizer NÃO HAVERÁ AMANHÃ.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 28/10/2010
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