FORA DE TEMPO
Intrigante o modo como Luís Amado apareceu na praça pública, sugerindo que a salvação de Portugal residiria na constituição de uma grande coligação. Não disse quais os partidos integrantes da “sua” coligação, mas é fácil de ver que a sua ideia não é outra coisa senão a recuperação da proposta em tempos avançada por Paulo Portas, isto é, PS/PSD/CDS. Nem um nem outro, dos dois proponentes, me surpreenderam. Como eventualmente os meus Leitores se recordarão, há cerca de dois anos eu próprio, leigo nestas coisas, avancei que a salvação residiria num Governo de Salvação Nacional. E a própria proposta de Paulo Portas estará já a chegar ao primeiro ano de idade.
Surpreendente, também, foi a recusa dessa alternativa por parte do Primeiro-Ministro, quase vinte e quatro horas depois. Note-se que a notícia da proposta de Luís Amado surgiu, muito convenientemente, quando José Sócrates se encontrava no outro lado do mundo e que o autor dela é ministro “bem amado” do chefe do Governo.
Tenho, dos factos, uma interpretação bem pessoal. Assente no pensamento de que, em política, nada do que parece é e só é o que parece. Começo por não acreditar que o Ministro Luís Amado tivesse a ousadia de avançar com uma ideia assim à revelia do seu chefe. Porque ela era, potencialmente, maléfica para o Chefe do Governo. Enfraquecia a sua posição, era redutora da sua capacidade de manobra.
Enfraquecimento e redução só eventualmente minorados por uma pronta reacção do ausente que desmentisse o seu ministro. O que se verificou. E que deveria ter tido uma de duas consequências: ou José Sócrates demitia o seu ministro ou este se demitia. Em ambos os casos, por não ser possível trabalhar, a tão alto nível, com alguém que professa ideias diferentes da do chefe. Curiosamente, nenhuma dessas consequências se deu. Bem pelo contrário, José Sócrates, ao mesmo tempo que negava razão ao seu ministro, afirmava, por outro lado, manter a confiança nele. Boa te vai! Imagine o meu Leitor que é o chefe de uma qualquer equipa de produção, que tem objectivos a cumprir, que diz aos seus subordinados por onde ir para chegar ao objectivo e que um dos subordinados diz na sua cara que por esse caminho não se chega a lado nenhum. Que é que o meu Leitor faz? Continua com esse subordinado na sua equipa? Se continuar, o certo e sabido é que terá perdido todo o respeito do resto da equipa e, de certeza absoluta, não cumpre. Não tem outro remédio, se quer cumprir, se não mandar o tal subordinado dar uma curva.
Depois, temos as análises dos timings. A declaração de Luís Amado foi feita num momento em que daria ao Primeiro-Ministro tempo de reagir em função do que fossem as respostas da oposição. Podia esperar, para lhe responder, até regressar a Portugal. Mas nem foi necessário esperar tanto tempo. A reacção pronta do Partido cuja resposta era essencial – o PSD – permitiu-lhe “desmentir” o seu ministro mesmo lá de longe. Gostaria de ter visto o que teria acontecido se o PSD não tivesse respondido tão a quente. Mas o PSD fez aquilo que nunca se deve fazer em política, que é responder a quente.
Neste quadro, pode construir-se uma cabala. A de Luís Amado não ter sido senão o portador de um recado do Primeiro-Ministro, espécie de balão de ensaio, a ver no que dava. Se houvesse reacções favoráveis, o Governo poderia adoptar uma via que conduzisse à coligação, repartindo responsabilidades, escondendo um tanto os erros passados. Se as reacções fossem, como foram, desfavoráveis, Luís Amado seria o sacrificado, mas não muito porque José Sócrates continuaria a manterá confiança nele. E traria ainda, uma atitude de negação da proposta “amada” por parte da oposição, dividendos suplementares, fazendo surgir o Governo e José Sócrates como os únicos disponíveis para assumir responsabilidades em hora de tão grandes dificuldades.
A proposta de Luís Amado e a sua adopção pelo Partido Socialista e por José Sócrates teria sido boa há algum tempo atrás. Antes de se ter escoado totalmente a confiança relativa, a uns e a outro atribuída pelos portugueses nas últimas eleições. Agora, foi nitidamente uma proposta fora de tempo, serôdia, despropositada. Qualquer coligação do género proposto haveria de ser liderada pelo Partido Socialista. E já nenhum crédito resta, ao Partido Socialista para conduzir a governação do país. Se ainda há uma réstia de esperança nos Portugueses, inserida no quadro democrático em que vivemos, ela repousa naturalmente na oposição. Fazer uma coligação desta com o Partido Socialista seria apagar a apenas bruxuleante luz que vemos lá muito ao fundo do negro túnel que atravessamos.
Há quem encontre outra explicação para a atitude do Ministro dos Negócios Estrangeiros Luís Amado. Assente num eventual conhecimento especial, por força das suas funções e do contacto que, por elas, mantém com personalidades estrangeiras, conhecimento esse que lhe daria conhecimento de ser a nossa situação bastante pior do que a conhecemos. O que, junto a uma independência de pensamento e a eventuais ambições pessoais, o levariam a propor unilateralmente a solução preconizada. Creio que esta interpretação não resiste a um minuto de reflexão. Se assim fosse, Luís Amado estaria ao lado daqueles que, dentro do Partido Socialista, estudam já o modo de se verem livre de José Sócrates. Mas esses, tanto quanto consta, estão já voltados para nomes como Seguro ou Assis. E não Amado. Podia Amado ser apenas um ponta de lança destes últimos. O que constituiria como que uma traição ao chefe. Um quadro que reforça a ideia de que a comentada atitude de Luís Amado seria um harakiri político, o que não foi. E se não foi, há que buscar por aí a explicação para a sua atitude. E não naquilo que parece, um pensamento autónomo. Porque é que não foi.
Posso não ter razão no meu raciocínio. E pode a explicação ser a alternativa que adiantei. Mas então Luís Amado não é senão mais um desses políticos execráveis, daqueles que, conhecendo a verdade, não são capazes de, por uma vez, contarem toda a verdade ao Povo. E, se há algo que ainda pode salvar Portugal é, precisamente, a de que a verdade seja colocada, nua e crua, diante dos portugueses.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 18/11/2010
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