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24.11.10

MEMÓRIA

A LADAÍNHA

O Governo decidiu encetar a reforma da tributação do património, por longo tempo adiada. Deu um primeiro passo, ainda tímido. Através de legislação agora em apreciação no Parlamento e em breve seguramente aprovada, o Governo decide, de uma assentada, quatro coisas:

- Matar o Imposto Sucessório, isto é, o imposto incidente sobre as heranças;

- Baixar a taxa da Sisa, incidente sobre as transacções de imóveis, ao mesmo tempo que aumenta espectacularmente o valor das transacções que desse imposto ficam isentas;

- Baixar a taxa da Contribuição Autárquica;

- E reavaliar o valor matricial dos prédios mais antigos, isto é, a base sobre que incidirão a Sisa e a Contribuição Autárquica.


Recordemos que a receita dos dois impostos que continuarão em vigor, embora com outro nome, quer a da Sisa, quer a da Contribuição Autárquica, revertem a favor das Autarquias Locais respectivas. E tanto bastou para que passássemos a assistir a uma litania de queixas, isto é, a uma ladaínha, por parte dos autarcas, afirmando-se prejudicados com as medidas anunciadas. É bom que esclareçamos dois ou três pontos que, sofismadamente, os autarcas reclamantes estão a esconder.

Em primeiro lugar, a competência para a fixação dos impostos - todos, nacionais ou locais - pertence, por princípio constitucional, à Assembleia da República. Donde, estar contra o que venha a ser deliberado seja estar contra a própria Constituição. Algo que deveria envergonhar os autarcas. Parece que não é assim. Donde, a conclusão de que, neste domínio, os autarcas são desvergonhados.

Depois, e fundamentalmente, os autarcas, na sua argumentação, escamoteiam o aspecto essencial da reforma levada a cabo pelo Governo. É que, baixando as taxas dos impostos Sisa e Contribuição Autárquica, o Governo provoca também a reavaliação dos valores sobre que tais taxas vão incidir. Não é preciso ser bruxo para saber que, no fim de isto tudo, o que vai acontecer é a Administração Pública, neste caso a local, ir arrecadar mais dinheiro. Quando muito, provocar-se-á uma mais justa repartição dos impostos pagos. Uma vez que há uma disparidade muito grande entre a Contribuição Autárquica paga por aqueles que adquiriram casa há pouco tempo e aqueles que já a têm há muito tempo.

No último cálculo sério por mim conhecido, datado já de há alguns anos, a reavaliação do património imobiliário para fins da Contribuição Autárquica produzia uma triplicação dos montantes arrecadados pelas autarquias sob esta capa. Presumia-se, então, que as taxas se mantinham, o que não acontece agora. E presumia-se uma reavaliação mais drástica do que aquela que vai acontecer agora. Portanto, não é de esperar que a receita triplique. Mas se pensarmos que a taxa vai reduzir-se de apenas 50%, não é difícil imaginar que a receita vai aumentar substancialmente. Donde, não ter qualquer fundamento a ladaínha dos autarcas.

Aos Contribuintes caberá esperar duas coisas. Por um lado, que a reavaliação a fazer dos imóveis seja justa. E que se atenda, por exemplo, a que é muito diferente ter casa para morar ou ter casa para passar férias. Ou, ainda, que não se pode fazer pagar uma Contribuição muito grande a quem tem casas alugadas há longo tempo, recebendo de renda quantias irrisórias. E, por outro lado, que não haja muitos autarcas com sobrinhos na Suíça.

Magalhães Pinto, em MATOSINHOS HOJE, em 15/4/2003

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