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25.5.11

MEMÓRIA

A NUVEM POR JUNO

Estamos a assistir a uma das mais gigantescas operações políticas de desvio das atenções a que assistimos até hoje, em Portugal. É bom que saibamos perceber aquilo a que vamos assistindo, para não sermos enganados. Para não tomarmos a nuvem por Juno. Vejamos.

É dos livros da teoria política que, quando as nossas cores são objecto de algum acontecimento desfavorável, deve urgentemente procurar colocar-se, na opinião pública, um outro assunto qualquer, susceptível de atrair as atenções, ou pela sua importância ou pelo ruído que, à volta dele se consegue gerar, no qual surjamos como vítimas. É a tentativa de conseguir uma espécie de compensação na opinião pública.

Será que a questão das escutas telefónicas, com as quais toda a esquerda se empertigou, e, muito especialmente, o Partido Socialista, é assim tão importante? Creio que não. Pelas minhas estimativas, feitas muito por baixo, deverão ter sido escutadas, em conjunto com o Doutor Ferro Rodrigues, não menos de quinhentas pessoas mais. Explico como. Não há escutas telefónicas de uma só pessoa. A não ser que essa pessoa apenas se entretenha a enviar mensagens para caixas telefónicas. Sempre que um juiz determina que alguém seja escutado e essa escuta é levada a cabo, não é apenas esse alguém é escutado. Também o são todas as pessoas para quem essa pessoa ligue e todas aquelas que liguem para essa pessoa. Assim, imaginando, muito por baixo, que o Dr. Paulo Pedroso foi escutado durante um mês e que apenas recebeu e fez não mais de quinze comunicações por dia - o que é muito pouco para as funções dele - houve cerca e quinhentas chamadas telefónicas escutadas, nas quais estiveram falando outras tantas pessoas para além do suspeito. As escutas são legais. E o PS e o Dr. Ferro Rodrigues não deviam indignar-se por isso. É próprio desse método de investigação que a nossa lei permite a escuta de outros que não o suspeito.

Mas a verdade é que o PS foi atingido, num turbilhão impressionante, por três acontecimentos quase seguidos - a fuga de Fátima Felgueiras, a agressão de Francisco Assis e a prisão preventiva de Paulo Pedroso - cada qual susceptível de fazer mergulhar o partido na cave da opinião pública. Havia que procurar minimizar os estragos, colocando na discussão pública, com o maior estrondo possível, um outro assunto. Foi o que o Dr. Ferro Rodrigues procurou fazer com a questão das escutas telefónicas,

De algum modo, esta atitude seria tolerável. Porque é assim que se faz na política. Mas há uma razão que torna absolutamente inaceitável a atitude dos socialistas. É que aquilo que foi feito destina-se a esclarecer um dos mais hediondos crimes de que há memória em Portugal. Algo que os socialistas esqueceram completamente. Esqueceram o martírio de tantas crianças, vilipendiadas, agredidas, violadas, marcadas para toda a vida. Por gente que, além de ter a superioridade de ser maior, tinha a vil superioridade do seu poder social e da sua presunção de serem intocáveis. Arrepiei-me quando uma dessas crianças, entrevistada na televisão, e perguntada se considerava que o castigo dessas pessoas estava a ser suficiente, respondeu: "Não! Castigo suficiente só era eu matá-la! Muitas vezes pensei que um dia o mataria!", referindo-se a uma das pessoas que está presa neste momento. Que grande será a dor dessa criança! Inimaginável!

Não podemos, pois, deixar-nos ir na cantiga. E precisamos sempre escolher entre aquilo que é realmente importante e o que o não é ou é menos. Por mais barulho que façam.

Magalhães Pinto, em MATOSINHOS HOJE, em 27/5/2003

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