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28.7.11

CRÓNICA DA SEMANA - II

POR MILÍMETROS

Terá sido por milímetros que os bancos portugueses escaparam a um triste destino. E dizendo isto friamente, não posso evitar o calafrio que me apanha subitamente ao pensar no que seria de nós todos em tal situação. Aliás, penso que a calma que os portugueses têm tido, em toda esta embrulhada financeira que para aí vai, merece uma valente salva de palmas. É que quando dizemos que a banca nacional está em apuros estamos a fazer idêntica afirmação para as nossas poupanças.

Não tem sido dispiciendo para a eventual debelação da crise financeira que nos afecta o frio comportamento dos portugueses. Se quiséssemos um exemplo desse comportamento, muito mais em linha com a compreensão que as pessoas têm da crise – não percebendo que as suas poupanças têm corrido um risco, esse sim, soberano – veja-se a reacção dos trabalhadores ao anúncio das primeiras grandes medidas deste governo para contenção da situação e cumprimento do acordo com o FMI/União, designadamente a do anunciado corte do subsídio de Natal. A atitude geral foi de compreensão. Não apenas para com o sacrifício a fazer mas também para com o facto de haver rendimentos que ficam isentos desse sacrifício. Uma reacção muito diferente da que tem tido o povo grego, o qual, estando em muito pior situação do que nós, tem reagido forte e feio a todos os esforços para controlar a situação.

Creio não se correr risco demasiado em considerar que essa atitude dos portugueses tem impressionado favoravelmente os nossos parceiros europeus. Como, aliás, uma ou outra personalidade de relevo nas altas esferas tem colocado em evidência. E não acredito que essas afirmações de apreço para com a atitude nacional tenham apenas, nem principalmente, em vista impressionar os mercados. Creio que se trata de autêntico apreço. E, se é assim, acredito também que podemos ter fundadas esperanças de salvar o nosso barco. O que temos vindo a dizer à Europa, com o nosso comportamento, é que vale a pena ajudar-nos porque, pela nossa parte, faremos tudo aquilo que estiver ao nosso alcance. E se, como espero, chegarmos aí para a frente e sairmos do mar encapelado em que navegamos presentemente, terá sido também por milímetros que nos teremos salvado do naufrágio.

Temos ainda muito mar pela frente, como diria um pescador sábio da minha terra. Desde já, até os políticos, sempre tão prontos em pintar o futuro em brilhantes cores do arco-íris, não se coíbem de afirmar que temos, PELO MENOS, três anos de dificuldades pela frente. Já alguém disse que os sacrifícios anunciados já para este ano haverão de ser repetidos no próximo e no outro a seguir. Acredito piamente nisso. Mas, ainda assim, a vontade de lutar para vencer a tormenta é mais forte do que já foi no passado. E há uma boa razão para isso.

Houve uma mudança nuclear no comportamento dos políticos que passou a determinar essa vontade. Enquanto, no passado recente, sentíamos que estávamos a afundar-nos irremediavelmente, ouvíamos todos os dias uma ladainha de falso optimismo, próprio de um político de meia tigela que leu num almanaque qualquer que os políticos devem manter a esperança dos cidadãos num plano elevado e, para isso, não hesitava em impingir patranhas de todas as qualidades, tal tendo por objectivo. Não reparando que, quando a patranha é muito evidente, o resultado é o descrédito absoluto, não se acreditando mesmo numa ou outra verdade que possa eventualmente dizer. É a versão real do velho aforismo “coitado do mentiroso” que nós, os mais velhos, aprendemos nos posteriormente malfadados livros do fascismo. Com a mudança política verificada, a situação passou a ser diferente. Agora, colhe-se a sensação de que nos falam verdade. Com toda a franqueza, ouço o Ministro das Finanças a falar e acredito. Não o conhecia anteriormente. Olhei-o com a expectativa que, julgo, foi quase generalizada. Mas gosto de ouvir o que ele tem para me dizer. Acredito. E nesta palavra, ACREDITAR, é que reside a esperança. A esperança não é o resultado directo das perspectivas que colocam diante de nós. A esperança reside no ACREDITAR que essas perspectivas são possíveis.

Uma sondagem feita recentemente mostrou, não apenas nas linhas mas, sobretudo, nas entrelinhas, que os portugueses acreditam. Acreditam que a situação é tão difícil como no-la descrevem. Acreditam que os sacrifícios são mesmo inevitáveis. Acreditam que está a ser feita uma justa repartição desses sacrifícios (e oxalá nunca tenham razão para duvidar disto, a mais determinante ajuda para a sua aceitação). E acreditam que, com a realização de tais sacrifícios agora, poderemos voltar a ser felizes num futuro mais ou menos próximo.

É neste estado de espírito que os portugueses estão a partir para férias. A partir ou a ficar, que há muitos que farão as suas férias em casa, este ano e, seguramente, no próximo. O uso do crédito para férias – que eu tantas vezes vi usar na agência de viagens de que fui proprietário - está este ano reduzido a um valor residual. Foi sintomático ver, em pleno Julho e numa das praias mais afamadas do sul, os guarda-sóis substituírem às centenas o acolhimento às caras infraestruturas próprias dessa praia. Os toldos encontravam-se, para aquilo que era habitual, desoladoramente vazios. E, ao olhar para aquela realidade, percebi porque é que as empresas, não sendo directamente atingidas pela taxa suplementar de imposto que no Natal vamos pagar, mesmo assim colaboram no sacrifício de todos. Se arrumarmos os contribuintes que vão pagar tal suplemente para um lado e as empresas para o outro, vemos com clareza que, consumindo menos os primeiros, os segundos ganharão também menos. Também é sacrifício para eles.

Seguiremos vivendo no gume da navalha ainda durante algum tempo. O que significa que o mais pequeno desvio do trilho a percorrer, da ordem dos milímetros, pode fazer-nos desequilibrar e dar o indesejado trambolhão. Oxalá não feneça nos governantes a coragem e a verdade. E não morra em nós o crédito que parece estarmos a dar às perspectivas apesar de tudo ligeiramente melhores que se nos apresentam actualmente.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 28/7/2011

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