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11.8.11

CRÓNICA DA SEMANA - II

CRÓNICA DE FÉRIAS

Neste tempo, o cronista defronta-se com dois problemas. Um já comum a todos os anos nesta época, a preguiça. Estirado numa praia qualquer, sentindo a areia levantada pelo vento morder-lhe a pele mimosa de um ano de cobertura, folheia lentamente os jornais, dá conta da desgraça que vai por esse mundo fora, sente que, se quiser estar actualizado é disso que deve falar, mas a razão recusa-se a pensar em desgraças. Dá um trabalho tremendo pensar. O outro problema tem a ver com o destinatário do que se pensa. Então temos lá algum direito de ir incomodar quem, depois de um ano para esquecer, descansa um pouco das emoções? Por exemplo, no jornal de hoje vejo uma crónica curiosa. Por ter a ver com algo que aqui foi escrito por mim há umas semanas atrás. Recordar-se-ão os meus Leitores mais fiéis que, com algum atrevimento e muita especulação, eu perguntava aqui: “E se a Alemanha gostasse da actual situação de crise?”. E, com mais atrevimento ainda, partia da questão para a atribuição àquele país - que hoje quase podemos começar a apelidar de “pai dos pobres” – más intenções, avultando um suposto desejo de, finalmente, conseguir dominar a Europa, como duas vezes tentou no século passado, sem qualquer êxito aliás. Escrita e publicada essa crónica, logo me esqueci dela. Eu devia estar a passar-me dos carretos – desculpe-se o plebeísmo – para pensar tal coisa de quem tem passado os últimos largos meses a evitar que passemos a comer de novo pão de centeio. Mas hoje, esse militar na reserva, íntegro e conhecedor das linhas com que se cose o Mundo, que dá pelo nome de Loureiro dos Santos, General do nosso exército, volta ao tema que, aliás, expõe com muito mais clareza e sabedoria do que eu. Fá-lo em termos geo-políticos – do meu lado, a tónica era mais económica - mas, no fundo, anda à volta da mesma ideia: “E se a crise não se resolve porque a Alemanha não quer?”.

É preciso atrevimento para pensar assim. Não foi a Alemanha que nos governou até agora. Pelo menos, não inteiramente. Se estamos num buraco, fomos nós que o cavámos. Mas a ideia parece ter alguma razão de ser, para ser pensada também por alguém como o senhor General. E, tendo razão de ser, isto é, não sendo apenas uma confusa teoria da conspiração, é preocupante. É verdade que a economia acaba sempre por ensinar quem não se entende com ela. Mas isto de perdermos a independência quando estamos quase a cumprir um milénio afecta bastante o nosso amor-próprio. Logo, não é assunto de que eu deva falar aos meus Leitores quando eles estão, tranquilos, a fazer o mesmo que eu, isto é, nada.

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Volto a página do jornal e dou com mais um pensamento original, socialmente erudito e solidário, desse homem que não me canso de admirar – e no qual reconheço qualidades de inteligência bem acima da média – que se chama Francisco Louçã. Segundo ele, chegamos ao cúmulo. O Governo, este Governo, vai cometer mais uma crueldade, numa atitude de facínora. Então não é que vai exigir às pessoas a quem paga rendimento mínimo ou subsídio de desemprego que trabalhem alguma coisa em termos cívicos, sociais? Quase nem preciso de passar do título para estar de acordo. Ora vejam lá comigo. Se eu, ao fim do mês, todos os meses, trago para casa o meu ordenado – devia dizer salário, mas ainda não atingi o estado de consciência social do doutor Louçã – para prover às minhas necessidades, ordenado que já vem reduzido de um bom quinhão precisamente para pagar os tais rendimentos mínimos e subsídios de desemprego, não sendo esmagado pelo opróbrio de receber aquele que não produzi, estou descansadinho na praia a trabalhar para o bronze, porque é que os subsidiados não hão-de poder fazer o mesmo? Ou vão todos para a praia ou haja moralidade! Mais. Quando eu já não estiver na praia, eles devem poder continuar a frequentá-la. O rendimento mínimo e o subsídio de desemprego são indemnizações que a sociedade deve pagar a quem, bem contra a sua vontade, não tem trabalho. Não são uma remuneração por trabalho feito. O quê, meu Caro Leitor? Não está de acordo? Todos devem trabalhar? Se calhar é. Se calhar, eu estou, como tantos outros, a confundir trabalho com emprego. Paciência. Eu não tenho mais argumentos para sustentar a tese do doutor Louçã. Eu bem sabia que não devia falar nestas coisas neste tempo de férias. Há quem lhe chame a silly season, a estação louca. Se calhar é.

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Mudando radicalmente o ângulo destas minhas reflexões espúrias, podia talvez falar-lhe, meu Caro Leitor, do negócio BPN. Então o Governo vende por quarenta o que alguém estava disposto a comprar por cem? De início, esfreguei os olhos com incredulidade. Mas, depois, reflecti um bocadinho. Os anos que já levamos de democracia e as crises que entretanto tivemos ensinaram-me alguma coisa. Quando os tempos são de crise, aparecem sempre umas propostas miraculosas por parte do sector privado. Os mais velhos recordar-se-ão da primeira que apareceu depois do “25 de Abril”. Estávamos ali por 1977 e a economia portuguesa começava a gritar de dores pelos entorses que lhe tinham provocado. O desemprego e os salários em atraso eram as notas mais audíveis desses gritos. E a dita proposta apareceu pela mão de um senhor chamado António Champalimaud. Tinha um título pomposo: “Cem medidas para salvar Portugal”, salvo erro. Não foi aceita, obviamente. Os governantes queriam era correr com os senhores champalimauds desta terra, t’arrenego Satanás! E com alguma razão. Pois há que desconfiar quando estas propostas aparecem. Quase sempre trazem água no bico. Quase sempre são compostas por uma área superficial, brilhante e límpida com algum lodo no fundo. Pensando assim, achei que o Governo tinha provavelmente agido bem. Dava aos cidadãos, pelo menos, uma certeza: hoje não é banqueiro quem quer. Isso era no tempo do doutor Oliveira e Costa (e outros que o pudor me obriga a calar). Agora, outro galo canta! Só é banqueiro quem fala bem e tem petro-dólares com fartura. Além do mais, sendo angolanos, tudo fica em família. Deixemos também isto para tempos mais sérios.

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Falar nos petro-dólares levar-nos-ia direitinhos ao senhor Obama. O dos USA, não o Bin Laden, que deste já não reza a história. O senhor Obama dos USA é a forma mitigada do socialista lá do sítio. Acho que não tem culpa pessoal. Fez só aquilo que os socialistas costumam fazer em todo o mundo. Esvaziou os cofres. Mas uma ideia assim é profundamente reaccionária e ideológica. Também não é para esta altura, em que a melhor ideologia é a do relax. Fiquei apenas com o pensamento de Margaret Tatcher a martelar-me os ouvidos da razão. Disse ela, uma vez: “O socialismo dura apenas enquanto há dinheiro dos outros para gastar.”. Não sei se é assim. Mas, depois dos casos da Grécia, da Irlanda, de Portugal e da Espanha, não sei que pensar. Uma pena a Itália estar aí a estragar a pintura. Aquele Berlusconi perdeu muito, demasiado tempo, com mulheres. Mas isso não é para um respeitável semanário económico como o nosso.

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Sendo assim, bico calado e não escrevo nenhuma crónica esta semana. Boas férias, meu Caro Leitor.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 11/8/2011

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