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3.8.11

MEMÓRIA

CRÓNICA DE FÉRIAS

Mais uma vez de abalada até aos Algarves. E, como habitualmente, em férias escasseiam os temas para uma charla. Ou abundam, o que dá no mesmo. Porque o que acontece é que a bonomia própria da época faz com que não se olhe verdadeiramente a sério o que vai perpassando. Tudo perde a gravidade que, geralmente, lhe atribuímos. Os factos observados sucedem-se ao ritmo costumeiro mas, não sendo retidos ou não se lhes atribuindo relevância de maior, parecem mais e mais fúteis.

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O Algarve está com uma boa ocupação. Os periódicos falam hoje de acentuação da recuperação iniciada no ano passado. Deve ser verdade. Ainda estão por aqui muito poucos portugueses, em termos relativos. Uns porque ainda não estão em férias, outros porque escolheram paragens exóticas quase ao preço que se paga aqui, como o Brasil, a República Dominicana ou as Ilhas Espanholas. Isto para já não falar na "infernal" Benidorme, cuja mágica ainda não descobri. Dá a impressão que os primos europeus voltaram a escolher-nos como destino. Dada a qualidade baixa e a carestia do Algarve, acho ser mesmo esta paz santa que se respira em Portugal que os atrai. Ou, então, estão a dar uma lição à General Motors (GM) por abandonar um recanto como este, à beira-mar plantado. Por falar nisso, acha o meu Leitor que a GM vai mesmo pagar aquele montão de dinheiro de que fala o Governo? Eu acho que isso é só para deixar passar a onda, como é próprio da época.

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Se o meu Caro Leitor pensa que estou a exagerar na questão dos preços, tome como exemplo o aluguer de um toldo de colmo na praia da Falésia, em Vilamoura. Custa mais do que alugar um T1 na cidade do Porto, pelo mesmo período de tempo. Eu sei quanto custaram aqueles toldos há uns bons doze anos. É um investimento soberbo. Muito melhor do que investir no BPI ou no PT antes de qualquer OPA. Todos os anos, o investimento é recuperado. Isto é, a taxa de rendimento é da ordem dos 100% ao ano. Claro que é dali que vem o dinheiro para pagar ao salva-vidas, a quem mantém a praia limpa e, sobretudo, aos empregados que fiscalizam o pagamento dos toldos. Até é capaz de não ser caro. Mas eu não me importava de arriscar. E uma pergunta desvergonhada baila-me no espírito. De quanto em quanto tempo é que a concessão vai a concurso? A Câmara de Albufeira que responda. Sim, a de Albufeira. Porque, por um bambúrrio da geografia, embora Vilamoura pertença ao município de Loulé, a sua principal praia pertence a Albufeira.

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Quem se vê grego para ganhar a vida são os utilíssimos vendedores de bolas de berlim, de bolacha americana e um por outro vendedor de roupas de verão "importadas" do Oriente. A polícia tenta não lhes dar descanso. Seguramente por uma de duas razões. Ou porque escapam aos controlos sanitários ou porque não pagam os seus impostos. Num tempo em que o Senhor Ministro das Finanças decidiu varrer o país à procura de todos os tostões escondidos debaixo do tapete, estou inclinado a pensar que é mais pela segunda razão. Daí que se assistam a cenas que, por vezes, rondam a caricatura. Como esta que lhe descrevo a seguir, meu Caro Leitor.

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Já lá vai o tempo em que só apareciam, na Falésia, um ou outro vendedor das apreciadas especiarias. Agora são aos montões. Num destes dias, apareceu a polícia. Um anafado agente, alto, gorducho, enorme. E tentou perseguir um desses vendedores. Mal este se apercebeu da perseguição, abandonou na areia a caixa dos doces e desatou a fugir. Aí, o agente voltou-se para outro, que ia mais além. A mesma cena. Caixa na areia e às de vila diogo. Entretanto, enquanto durava a segunda perseguição, o primeiro tinha regressado para pegar na sua caixa. E a cena prosseguia, cada um dando a sensação de já visto. O pobre do agente suava a estopinhas. Aí, eu pensei: ora cá está a celebrada falta de agentes em número suficiente, Mas talvez não seja bem assim. É que acabou por surgir um segundo. E, quando eu passava, no regresso da praia, por um jipe policial estacionado nas imediações, vi acamadinhas dentro dele umas seis caixas de bolas de berlim. Apreendidas, claro. Presas. Bem feita, já que Berlim não quis acolher a selecção de Portugal. Espero que as tenham destruído ao chegar ao quartel. Às bolas, claro. Porque a tal falta de controlo sanitário de que falei não deve permitir que se distribuam pelos pobres. Ou então, ficam como prova do delito, até ao resultado final do inquérito que terá lugar. E, com o tempo que os inquéritos demoram a produzir resultados em Portugal, é bem possível que o endurecimento das ditas permita utilizá-las depois no calcetamento das ruas.

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Depois da cena, passei os olhos pelos jornais. Um divertimento, se esquecermos o Médio-Oriente. Não pude evitar uma gargalhada algo sonora ao ver os argumentos de dois distintos consultores no âmbito fiscal, que produziram pareceres para a Associação Nacional de Municípios sobre o projecto de lei para as finanças locais. É que a melhor razão que encontraram, para se oporem à lei, foi a de que o facto de os municípios poderem reduzir a sua fatia no IRS contraria os fins para que esse imposto foi criado. Ó meus senhores! Já fizeram bem a conta a quantos impostos nós pagamos estão nessas condições? Um só, para exemplo: o imposto do selo do carro, para usar o seu nome comum. Nasceu para construir auto-estradas. Hoje, vai direitinho para as autarquias e é usado para o que elas muito bem entendem.

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O facto trouxe-me à ideia algo que é praticamente desconhecido do grande público. O meu Leitor sabia que, da receita do Totoloto/Loto2 e do Totobola, arrecadada pela Santa Casa da Misericórdia, 30% vai direitinho para os cofres da Segurança Social? Não é que eu ache mal. Assim, e tendo em conta os hábitos de jogo que temos em Portugal, sempre podemos esperar que a falência da dita - Segurança Social e não Santa Casa - não aconteça ainda esta década.

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Uma notícia que parecia de embandeirar em arco. Por motivo de obras, a sala das sessões da Assembleia da Republica vai fechar durante cinco meses. Isto, o previsto. Porque, como também é habitual, o prazo (e os custos) duplicarão, no mínimo. Ora aqui está uma boa oportunidade de dar aos deputados um ano sabático (sem vencimento, claro). Com a maioria do PS, com o Governo que temos e com um Presidente da República vigilante e cooperante, nem daríamos pela falta. E sempre era uma ajuda de tomo para o reequilíbrio das finanças públicas. Mas, adiantando na notícia, perdi a vontade de rir. Vão utilizar, em substituição, a sala do senado. Bom. Pelo menos durante um anito vamos ter senadores em lugar de deputados. Até parecemos os USA.

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Por aqui me fico, meu Caro Leitor. Tempo de férias não dá para mais. Espero, ao menos, que esta charla meio rebuscada sirva de preparação para as suas férias. As minhas acabam já. Gosto de estar na cidade durante o mês de Agosto. É um modo de recordar o passado e pensar que a cidade é minha. Não adianta grande coisa. Mas de ilusões também se vive. Sobretudo neste tempo em que o tempo queima quase tanto como o IVA.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 27/7/2006

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