Neste dia, em 1968, faleceu oescritor e poeta brasileiro Manuel Bandeira.
Ele foi um dos poetas brasileiros mais admirados, inspirando, até hoje, desde novos escritores a compositores. Aliás, o "ritmo bandeiriano" merece estudos aprofundados de ensaístas. Por vezes inspira escritores não só em razão de sua temática, mas também devido ao estilo sóbrio de escrever.
Manuel Bandeira possui um estilo simples e direto, embora não compartilhe da dureza de poetas como João Cabral de Melo Neto, também pernambucano. Aliás, numa análise entre as obras de Bandeira e João Cabral, vê-se que este, ao contrário daquele, visa a purgar de sua obra o lirismo. Bandeira foi o mais lírico dos poetas. Aborda temáticas cotidianas e universais, às vezes com uma abordagem de "poema-piada", lidando com formas e inspiração que a tradição acadêmica considera vulgares. Mesmo assim, conhecedor da Literatura, utilizou-se, em temas cotidianos, de formas colhidas nas tradições clássicas e medievais. Em sua obra de estréia (e de curtíssima tiragem) estão composições poéticas rígidas, sonetos em rimas ricas e métrica perfeita, na mesma linha onde, em seus textos posteriores, encontramos composições como o rondó e trovas.
É dele este poema:
ESTRELA DA MANHA
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma
ternura tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.
1 comentário:
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife, em 1886. Mais tarde muda-se para o Rio de Janeiro.Quando estava em São Paulo, na Escola Politécnica adoece. Volta ao Rio de Janeiro para tratar de uma tuberculose. Tentando curar-se, passa por casas de saúde em várias cidades de Minas e da Europa. Em 1917 lança o livro A cinza das horas, obra envolta em grande simbologia. Os livros Carnaval (1919) e Ritmo dissoluto (1924) colocam o autor na era modernista. Mas é com a publicação de Libertinagem (1930) que o autor se engrandece. Poemas como Poética, O cacto, Pneumotórax, Evocação do Recife, Irene no Céu são um primor. A liberdade para escrever e formar poemas é algo excepcional. Os seus temas preferidos ele encontra em sua vida. Família, morte, a infância no Recife, o rio Capibaribe,todas essas lembranças estão vivas na memória do autor e nas linhas que escreve. Também observa com cuidado e fala dos mendigos, prostitutas, pobres meninos carvoeiros, Irenes pretas, carregadores de feira livre. De um jeito muito íntimo, como se conhecesse cada personagem. Escreve de maneira agradável, carregando no humor, mas falando ironicamente e lembrando da tristeza e da alegria dos homens. Enfim, o poeta busca um mundo melhor. Ele canta a solidariedade nos versos e exalta o ser humano, o povo que o rodeia. A poesia Irene no céu revela, com clareza, isso. A marginalização social do povo não o afasta da sua dignidade e da sua grandeza. À preta, boa e bem-humorada Irene pertence o Reino do Céu. O humilde carregador da feira livre, João Gostoso, vive momentos de crise existencial e chega ao suicídio.
Aí está Manuel Bandeira passando a sua vida a limpo em cada verso, em cada linha.
Libertinagem é o quarto livro de poemas de Manuel Bandeira, mas é o seu primeiro livro verdadeiramente moderno e importante. É uma sucessão de poemas espantosos, cheios de novidade, humor, erotismo, refinamento musical, força de imagens, tudo isso produzindo uma intensidade emocional que, às vezes, aproxima-se do piegas, mas nunca cai nele.
(Esse é um dos aspectos fortes da poesia de Bandeira: levar a simplicidade até a beira da sentimentalidade, mantendo-se sempre, com mestria e finura, longe de qualquer vulgaridade.)
Alguns dos poemas mais famosos de Bandeira fazem parte deste livro: Pneumotórax, cena de humor negro envolvendo um tuberculoso e um médico infame; Pensão familiar, cena do cotidiano de uma pensãozinha burguesa, com o inesquecível gatinho que faz pipi e encobre cuidadosamente a mijadinha, a única criatura fina da pensãozinha burguesa; Profundamente, um dos grandes poemas da morte deste grande poeta da morte, e, talvez o mais célebre de seus poemas, Vou-me embora pra Pasárgada, deliciosa utopia que apresenta a fantasia de um país em que todos os desejos se satisfazem, especialmente os desejos sexuais:
“Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada”.....
Nos versos de “Pneumotórax”, o autor descreve a doença que o aflige. Descreve também o desejo de aproveitar ao máximo suas ânsias sexuais.
A fala derradeira do médico deixa bem claro a gravidade de sua doença:
“O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o
pulmão direito infiltrado.
Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino”.
Cida
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