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6.10.10

MEMÓRIA

OS NOVOS IMPOSTOS

Em minha opinião, a capacidade e imaginação dos Contribuintes para enganarem o Fisco só encontra paralelo na capacidade do Fisco para enganar os Contribuintes. E assim vamos vivendo, num jogo do gato e do rato, sem que bem se saiba quem é um e quem é outro. Nem sei se verdadeiramente importa. Porque, tal como nos desenhos animados, nem o gato apanha o rato, nem o rato leva a sua avante.

Como o meu Caro Leitor sabe, desde que seja dono, hipotecado ou não, da sua casa, sempre tem pago a Contribuição Autárquica (CA), desde que ela foi criada. Começou por pagar 0,7% do respectivo valor inscrito na matriz predial. Sol de pouca dura. Não tardou que estivesse nos 1,3%. Hoje, já quase não há autarquia que não cobre essa percentagem. Claro que todos compreendemos porquê. Os valores nominais dos prédios - a base de incidência - foram-se desvalorizando. O que desvalorizaria o imposto cobrado, não fora a mudança das taxas. Mas é bom, para termos uma perspectiva correcta do que discutimos, que tenhamos a consciência de que a passagem da taxa de CA de 0,7% para 1,3% é um aumento de quase 100%. E que são precisos muitos anos para que os valores matriciais se desvalorizem 100%! Claro que se pode dizer que já estavam desvalorizados, os tais valores matriciais, quando a CA foi criada. Mas aí entra a tal história do gato e do rato. Quando se cria um novo imposto, a entrada é sempre em pézinhos de lã. O pior vem sempre depois.

Pois bem. Como o meu Leitor também sabe, foi recentemente anunciada a redução das taxas da CA. Logo na altura, lhe disse que não se fiasse. Que pagar menos é que o meu Leitor não iria pagar. Meu dito, meu feito. Aquilo que podia ter sido uma agradável surpresa, não o vai ser. Prepare-se, meu Caro Leitor. O que aí vem não é nada bom, fiscalmente falando. Tenho em meu poder o projecto de Lei que modificará a CA. Nele distingo, além do mais que lhe vai doer, alguns novos impostos. Já vou falar deles. Baptizando-os eu, uma vez que, subrepticiamente, eles vêm disfarçados de Contribuição Autárquica.

E, começando, vamos ter duas situações diferentes, uma delas subdivida em duas fiscalmente semelhantes. Para efeitos de CA, a partir do próximo ano, ou o prédio é antigo e permanece no mesmo dono; ou o prédio é novo ou, sendo antigo, muda de dono. Esta última alternativa retrata duas situações diferentes, mas cujo tratamento fiscal vai ser o mesmo.

Se o seu caso é o primeiro, meu Caro leitor, são fáceis as contas. Não há nenhum imposto novo. Tudo o que vai acontecer é a correcção monetária. Isto é, a CA vai incidir no valor matricial corrigido pela inflação verificada desde a sua inscrição na matriz. Desconhecendo eu a composição da matriz, não sei se o saldo - menos imposto pela baixa da taxa, mais imposto pela correcção - dá um salto positivo ou negativo. Mas acredito que conhecendo o Fisco essa composição, terá feito bem as contas. E que, portanto, cobrará mais imposto. Nunca acontece o contrário. Já não será mau que a medida produza alguma justiça relativa. Aqueles que adquiriram casa há menos tempo vão pagar menos imposto RELATIVAMENTE aos que adquiriram casa há mais tempo.

O caso muda muito de figura quando se tratar de uma casa nova ou de uma casa antiga mas transaccionada. Aí, sim, vão aparecer autênticos novos impostos. Vejamos, partindo da fórmula que traduz o VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO ou, simplificando, a fórmula que vai dizer qual será o valor das casas sobre as quais incidirá a CA
:
Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv

Não desespere, meu Caro Leitor. Isto é só o princípio. Parece matemática. Mas não é. É uma maneira sofisticada, moderna, quasi ininteligível, para lhe esvaziar os bolsos, só porque o meu Caro Leitor decidiu ser dono da casa onde mora ou do estabelecimento onde tem o seu negócio.

Naquela fórmula, os parâmetros querem dizer o seguinte:

Vt:: o valor tributário da sua casa
Vc: o valor base dos prédios edificados
A: a área bruta de construção mais o terreno circundante *
Ca: o coeficiente de afectação
Cl: o coeficiente de localização
Cq: o coeficiente de qualidade e conforto
Cv: o coeficiente de vetustez.

* todo, até duas vezes e meia a área de implantação do edifício, a
25% do preço de construção; e o remanescente, entre 0,5% e 2,5%
daquele preço.

Bom. Dito assim, estou mesmo a vê-lo perder a paciência e mandar às malvas o meu discurso. Mas eu fiz uma coisa, meu Caro Leitor. Tentei trocar isto tudo em miúdos, para lhe facilitar o trabalho. E encontrar modo mais simples de concluir o que aquela charada quer dizer. É que naquilo tudo, estão incluídos novos impostos. Já lhe digo quais.

IMPOSTO DE COMÉRCIO E SERVIÇOS - Se um prédio for afectado ao comércio, paga mais 20% do que uma casa. Se for afectado a serviços, paga mais 10% do que uma casa. Se for afectado a indústria, paga menos 40% do que uma casa, saiba-se lá porquê. Também nada se diz se um prédio - como tantas vezes sucede - puder ser destinado indiferentemente a comércio ou a serviços; cá temos mais um tema para nos entretermos depois com as Finanças.

IMPOSTO DE ACESSIBILIDADE - A CA a pagar vai depender de ter, por perto, boas auto-estradas, caminhos de ferro, estações fluviais ou marítimas, escolas, serviços públicos e comércio e transportes públicos. Pode chegar a pagar duas vezes a CA. A sua Câmara Municipal é que vai dizer que coeficiente se aplica a si, meu Caro Leitor. Ela é que vai decidir se o estabelecimento do senhor Francisco é comércio que justifique pagar mais ou se é necessário ter um hipermercado à porta. E livre-se de, como eu, morar juntinho ao Porto de Leixões.

IMPOSTO DE INDEPENDÊNCIA - Se em lugar de um andar, o meu Leitor morar numa casa independente, paga mais 20%. Bem feita, porque ainda não percebeu que o importante é o colectivismo.

IMPOSTO DE PRIVACIDADE - Se morar em condomínio fechado, paga mais 20%. Conselho: deixar as portas abertas.

IMPOSTO DE EXCLUSIVIDADE - Paga mais 4% se a sua garagem for individual.

IMPOSTO DE PROMISCUIDADE APARCATIVA - Se o seu lugar de garagem for colectivo, paga mais 3%. Tudo tido em conta, o melhor mesmo é deixar o carro na rua. Depois de andarem anos a dizerem-nos que devíamos ter garagem, "afinfam-nos" agora com esta. Possível fuga: usar a garagem "estrela".

IMPOSTO DE PISCINA - Se tiver, pelo menos, um pequeno tanque com circulação e filtragem de água, nem que seja de dez metros cúbicos apenas, paga mais 6%, se for só sua; ou mais 3% se tiver que o partilhar com os vizinhos. Presumo que a diferença é para os desinfectantes.

IMPOSTO DE TÉNIS - se tiver um campo de ténis, paga mais 3% quer seja só seu, quer da colectividade; o que se entende. O ténis é um jogo para dois, pelo menos. Logo, nenhuma destriça a fazer entre o individual e o colectivo.

IMPOSTO DE LAZER - se tiver um canto qualquer onde repouse ou onde pratique qualquer actividade lúdica ou desportiva, paga mais 4%. Por causa desta, já mandei encerrar, na minha casa, aquele canto onde costumo jogar à malha com os amigos.

IMPOSTO DAS PEDRAS E DAS MADEIRAS - Se o prédio utilizar madeiras exóticas ou pedras ornamentais, paga mais 4%. Uma boa razão para mandar demolir o hall de entrada do prédio onde vivo, no qual o malandro do construtor, para dar no olho, mandou colocar umas rochas brasileiras e madeira de pinho não queimada, isto é, estrangeira.

IMPOSTO DE PAISAGEM - Se da sua casa se vir o mar, o rio, as montanhas ou outros elementos visuais que influenciem o seu valor - estou aqui a pensar se o facto de eu ter uma vizinha em frente, que costuma passear-se na casa em trajes menores, será assim considerado - paga mais até 10%. Se assim for, até pago mais 25% sem protestar.

IMPOSTO DE CALEFACÇÃO - Se a sua casa tiver climatização central, paga mais 3%. Por isso, o melhor é mandar tapar as frinchas das janelas.

IMPOSTO DE ASCENSÃO - Se houver elevadores, numa casa com menos de quatro andares, paga mais 2%. Já mandei desactivar o elevador do meu prédio. E fico pedindo a todos os santos que a minha sogra, que se aproxima a passos largos dos noventa, vá aguentando subir as escadas até ao terceiro andar. Faz-lhe bem ao coração.

IMPOSTO DE PROMISCUIDADE - Se em lugar de casa tiver um estabelecimento comercial e ele for localizado num centro comercial, paga mais 25%. Se se localizar num edifício de escritórios, paga mais 10%. Fiquei sem saber o que acontece se houver escritórios no edifício do centro comercial. E, de passagem, se este for o seu caso, aconselho a que mande retirar as escadas rolantes. Senão paga mais 3%. E sempre pode dizer aos seus clientes que subir escadas faz bem à saúde.

Veja só, meu Caro Leitor: catorze novos impostos de uma só vez! Se alguém disser que os nossos políticos não são produtivos, eu nego. Deuses é que eles julgam que são. Procurando fazer justiça por suas próprias mãos. E armando a maior das confusões com os caminhos escolhidos. Estou mesmo a ver o Ministro das Finanças, daqui por uns cinco anos, a conceder um perdão fiscal aos contribuintes que deixaram por pagar a Contribuição Autárquica

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 11/9/2003

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