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11.11.10

CRÓNICA DA SEMANA - II

CUSTO DE OPORTUNIDADE

Os economistas estão muito familiarizados com este conceito. Custo de oportunidade. Um custo não explícito de praticamente em qualquer opção que façamos na nossa vida. Que pode ser, por vezes, muito superior ao custo explícito dessa opção. Para os não familiarizados, eu explico.

Imagine o meu Caro Leitor que está em exibição, num dos cinemas da sua área, um filme que adoraria ver. E, neste último Domingo, em que também se jogava o Porto x Benfica, em futebol, viu que era o último dia de exibição do filme e era transmitido na televisão. Jogo que gostaria de ver também. Um dilema. Que o meu Leitor resolve facilmente, porque não costuma ficar encravado em decisões difíceis. E decide-se por ir ao cinema. Se eu lhe perguntar qual o custo dessa decisão, provavelmente responde-me que foi de, suponhamos, seis euros, o preço do bilhete para o cinema. O que não é absolutamente rigoroso. Ir ao cinema custou-lhe isso MAIS o custo de não ver o jogo de futebol. Ora, esta segunda parcela é precisamente o CUSTO DE OPORTUNIDADE de ir ao cinema. Um custo que o meu Leitor suporta, mas ao qual, geralmente, não faz contas.

O custo de oportunidade tem uma característica tramada. É que, muitas vezes só se consegue verdadeiramente quantificar depois de produzido o resultado da decisão que assume. Imagine o mesmo caso acima citado. Visto o filme, o meu Leitor sai do cinema, chega cá fora e sabe que o Porto ganhou por cinco a zero ao seu maior rival. Qual terá sido o custo de oportunidade de ir ao cinema? Bom. Depende. Se o meu Leitor é portista, o custo foi negativo e elevado, porque perdeu uma alegria enorme e uma excelente exibição da sua equipa. Se é benfiquista (como eu), não perdeu nada e ainda economizou um grande desgosto em directo; isto é, o custo de oportunidade assumiu valor positivo e transformou-se em lucro. Se não é uma coisa nem outra nem abriga sentimentos negativos em relação a qualquer uma das equipas, o custo de oportunidade foi zero.

Há ainda uma outra possibilidade. A de nunca se saber qual foi o custo de oportunidade de uma decisão. Tal acontece quando as decisões alternativas – a oportunidade escolhida e a oportunidade recusada – se excluem reciprocamente. Isto é, optar por uma alternativa faz com que a outra alternativa desapareça. Tudo quanto podemos fazer, nesses casos, é especular: o que teria acontecido se, em vez de optar por uma alternativa, tivesse escolhido a outra? Nunca o saberemos ao certo. Mas podemos imaginar o que teria acontecido, naturalmente com uma margem de erro muito grande. Esta é uma situação muito comum na política. E constitui, mesmo, a maior defesa dos políticos. Nunca conseguimos saber, de certeza certa, o que teria acontecido se, em vez de seguido o caminho que se seguiu, tivéssemos ido por outro. Por exemplo, nunca saberemos qual o custo de oportunidade por nós suportado em virtude de termos escolhido José Sócrates para este segundo mandato que ele cumpre, relativamente a termos escolhido Manuela Ferreira Leite. Embora possamos imaginar qual terá sido.

Vem tudo isto a propósito de termos assistido, nos últimos tempos, à permanente invocação da necessidade de manutenção da estabilidade política no país. Um eufemismo, porque o que se estava a pedir aos actores políticos para não provocarem eleições antecipadas, tudo debaixo do calado consentimento do Povo e diante da agitação permanente de dois fantasmas, os mercados financeiros internacionais – que emprestam dinheiro a Portugal - e a sempre possível intervenção do FMI no país - com o seu rosário de sacrifícios ditos mais graves do que aqueles que, em nome da estabilidade política, nos são pedidos agora. O que deixa uma interrogação no ar, a responder porventura muito mais brevemente do que pensamos. Qual será o custo de oportunidade por termos decidido, neste momento, pela estabilidade política? Não o custo de oportunidade para os intervenientes políticos, para os quais ele será obviamente diferente de caso para caso. Não para os partidos políticos, cada qual com os seus objectivos eleitorais. Não para os lobbies influentes junto de quem detém o poder neste momento ou para os lobbies que exercerão a sua influência sobre os próximos detentores de poder num futuro próximo. Mas para o cidadão comum, ao fim e ao cabo, aquele que sempre paga os custos mais gravosos.

Se tudo correr bem, se não houver instabilidade política até ao momento da recuperação, se a Europa entrar num ciclo de crescimento económico pronunciado e, concomitantemente, a economia portuguesa for arrastada nesse crescimento, se os portugueses forem suficientemente pacientes para arrostar com as procelas que necessariamente se verificarão no caminho para a estabilidade económica e financeira, se, se, se, então é natural que o custo de oportunidade de termos optado pela estabilidade política seja baixo, seja nulo ou, até, seja benefício. E poderíamos, então, congratular-nos todos, Povo e políticos, pela decisão assumida. Mas há um grande senão neste raciocínio. Que também explico.

Qualquer bom gestor, seja da coisa privada ou da coisa pública, deve sempre ter presente o seguinte princípio: “se, num plano, alguma coisa pode correr mal, então a atitude mais sensata é pensar a tempo e horas que tal vai acontecer”. E agora é a minha vez de questionar o meu Leitor: acha que no plano descrito no parágrafo anterior nada pode correr mal?

Provavelmente, a Sua resposta, Caro Leitor, é igual à minha. Não. É impossível que tudo corra bem naquele plano. O que é uma conclusão dramática. Porque, se assim for, então vamos ter de arcar com as consequências que haveríamos tido se houvéssemos adoptado um caminho com instabilidade política imediata, mas numa situação bastante mais grave do que aquela que tínhamos agora. Se tal acontecer, os fantasmas, anunciados há pouco, ganharão corpo real, a instabilidade política será mais grave porque acompanhada de instabilidade social grave, o FMI surgirá e pedirá sacrifícios maiores do que os que haveria pedido agora. E tudo terá por resultado um custo de oportunidade avassalador, porventura verdadeiramente insuportável. Para o Povo, claro. Porque o custo de oportunidade de havermos conservado alguma estabilidade política terá sido, então, seguramente positivo para alguém: os políticos que, agora, preconizaram, defenderam, pediram ou contribuíram para, a estabilidade política. O Povo torcerá, mais uma vez, a orelha. Mas talvez seja merecido. Por ter esquecido que quando o mal é canceroso, a intervenção cirúrgica e a extirpação do cancro imediatas são o tratamento mais aconselhável. Mesmo que exista risco de vida.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 11/11/2010

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