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4.5.11

CRÓNICA DA SEMANA - I

MORREU O MANEL

Morreu o Manel. Claro que ninguém que me escuta conheceu o Manel. O seu poiso era por Lisboa. O Manel é, por isso, um desconhecido. Para quase toda a gente. Menos para os cerca de seiscentos companheiros que teve com ele na guerra colonial da Guiné. Esses conheceram-no bem. Ao seu ar sempre alegre. À sua disposição, muitas vezes, para participar nas loucuras da juventude e nas loucuras de quem está a participar duma guerra. À sua melena a cair sobre a testa, o que lhe dava um ar malandreco. À sua voz e ao seu sentimento, que lhe permitiam cantar o fado de um modo castiço como poucos.

Morreu o Manel. Quase ninguém o conheceu. E, no entanto, o Manel merecia ficar nas páginas da História de Portugal. Porque foi um herói. Aliás, igual a uns tantos mais que passaram pela guerra do Ultramar. Eu também lá estive. Não fui herói nenhum. Mas o Manel foi. Naquela noite, em Cutia, a meio caminho entre Mansoa e Mansabá, uma companhia de terroristas, como dizíamos então, ou de guerrilheiros, como docemente se diz agora, atacou um pequeno forte onde o Manel comandava um destacamento de apenas quinze homens. Cento e cinquenta, bem armados, contra quinze, também bem armados. Foi nessa noite que eu acreditei nos Afonsos Henriques, nos Álvares Pereira, nos seus feitos heróicos em inferioridade numérica. O Manel conseguiu, à custa da heroicidade de ele mesmo, ele que era o comandante, sair em campo aberto, peito feito às balas, e à granada, correr com o inimigo que os queria matar a todos. Nem um só foi ferido. O inimigo deixou muitos para sempre, ali. O Manel foi um herói. Recebeu a Cruz de Guerra de primeira Classe. Mas não ficará nos livros da história. Merecia ficar.

Talvez por ser isso, é que amava o fado, essa canção bem portuguesa, do modo como sabíamos. Um fado que cantou até ao fim.

Até já, Manel, meu camarada de armas. Enquanto não nos reencontrarmos, podes não estar nas páginas da História. Mas estás a oiro nas páginas do meu coração! São mais acolhedoras.

Magalhães Pinto, em RÁDIO CLUBE DE MATOSINHOS, em 4/5/2011

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