MEMÓRIA (III)
Termino hoje esta breve e sincopada viagem pelos factos que mais me impressionaram na activida governativa dos últimos seis anos. Viagem feita com uma pretensão. Não deixar esquecer. Para que a escolha não seja feita sob a influência de paixões momentâneas. Estamos a jogar muito do nosso futuro. E impõe-se que escolhamos em consciência.
19/11/2008
O desemprego subiu para 7,7% e logo o Primeiro-Ministro veio dizer que "este ano, o emprego está a subir". Algo que ele tem dito todos os anos nos que leva de mandato. Nem a multiplicação dos pães realizada por Cristo é mistério tão insondável.
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27/11/2008
Não há fome que sempre dure nem fartura que não acabe. Vítor Constâncio decidiu-se. Respirou fundo, arregaçou as mangas e teve um acto de coragem: "exonerou" João Rendeiro da Presidência do Banco Privado Português. Depois de ter deixado escapar Jardim Gonçalves e Oliveira e Costa, melhor não era possível.
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7/12/2008
Só num telejornal, uma das antenas de TV anunciou a perda de 1.000 postos de trabalho. Todos eles - e os muito mais que aí vêm - devem ter ficado esperançados nos augúrios de bom 2009 do Primeiro-Ministro.
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10/12/2008
Alegrem-se os portugueses. O ano de 2009 vai ser muito melhor para as famílias portuguesas. Assim falou o Grande Líder. Não há nada como uma boa recessão para os portugueses viverem no céu como anjos... ou como anjinhos…
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11/12/2008
Por todo o lado, no Mundo, a recessão económica se aprofunda. Atingindo mesmo as economias mais fortes. Em Portugal, não. Creio em um só Grande Líder, senhor do nosso universo, e no seu acólito das esmolas Teixeirinha, em todos os anjos e arcanjos da corte, que estão sentados à direita e à esquerda do Todo-Poderoso. Não vai haver recessão em Portugal. Aliás, ainda não há. E eu sou o Rato Mickey.
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21/12/2008
Os portugueses começam a ficar a dever ao talho, à costureira, à escola dos filhos, ao condomínio, a renda. Vamos perceber, agora, a falta que faz o ti Maria da mercearia da esquina.
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23/12/2008
Difícil para Portugal não vai ser 2009. Há demasiadas eleições para que tal suceda. Difíceis mesmo vão ser os três anos seguintes, quando vamos ter que pagar a factura dos milhões que escorrem neste momento.
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6/1/2009
Suprema ironia. Tendo feito da promessa de criação de 150.000 empregos um prato forte da sua candidatura, José Sócrates é bem capaz de terminar o seu mandato com a perda de 150.000 postos de trabalho.
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9/1/2009
Aí estão os defeitos da maioria absoluta. Arrogância, desprezo pelo pensamento colectivo, alívio das regras de controlo do gasto de dinheiros públicos, negócios milionários feitos discricionariamente, reformas feitas ad-hoc e o progressivo afundamento do país no lodo da desagregação. Uma responsabilidade que tem que ser repartida entre a Situação e a Oposição. Continua para Bingo.
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17/1/2009
Três anos a apertar o cinto para nada. Voltamos ao ponto de partida. Destino dos Portugueses desde que começamos as Descobertas.
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19/1/2009
José Sócrates promete baixar os impostos sobre a classe média, se for reeleito. Livra! Se me lembro do que aconteceu com a promessa de baixar o desemprego, no início da corrente legislatura, quero é que ele prometa subi-los!
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25/1/2009
José Sócrates está a ser vítima de perseguição política, diz ele. Estou de acordo. Dada a rapidez com que aprovou o Freeport, três dias antes de se ir embora do Governo, ele nem teve tempo para ser desonesto.
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29/1/2009
Afinal, está explicada a rapidez de José Sócrates na aprovação do empreendimento FREEPORT e das alterações legislativas que lhe foram necessárias. É que o então Ministro do Ambiente treinou muito, na Câmara da Guarda, ao fazer aprovar em meia dúzia de dias projectos que ele próprio assinava, alegadamente feitos por outros e apenas assinados por si. Afinal, a ideia do SIMPLEX já vem de longe!
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30/1/2009
Afinal, há cosmética nas contas do Estado de 2008 (Vidé Vida Económica, nº. 1282, de 20/1/2009). Para quem tanto censurou isso aos seus antecessores, este Governo é um macaquinho de imitação.
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4/2/2009
A Ministra da Educação descartou-se da responsabilidade da mentira pespegada aos Portugueses pelo Primeiro-Ministro, sobre a autoria de um estudo sobre a Educação em Portugal, falsamente atribuída por este último à OCDE. Fica-lhe bem a "solidariedade".
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13/2/2009
O Primeiro-Ministro andou o ano passado todo a dizer que estávamos a crescer. Nem para o último trimestre ele admitiu a recessão. Afinal, sabe-se agora que o PIB decresceu em 2008 pelo menos 2%, o que significa que minguou durante todo o ano. O que, obviamente, não tem a ver com a crise, a qual, segundo ele dfisse na discussão do OGE, só apareceu em Outubro. Pergunto-me até onde irá a sua capacidade para gozar com os Portugueses. Ou, o que dá no mesmo, até onde é que estes se deixarão gozar.
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15/2/2009
Desapareceram da praça pública os comentários do Primeiro-Ministro sobre a situação económica, cuja faceta mais grave é que não é, nem sequer sobretudo, devida à crise económica internacional. Durante todo o ano de 2008, fomos ignobilmente enganados.
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24/2/2009
O Primeiro-Ministro anuncia que vai criar 30.000 empregos. A juntar aos 150.000 que prometeu no início desta legislatura. Lagarto, lagarto! É melhor ele parar com essas promessas, porque quanto mais emprego ele promete, mais desempregados há.
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25/3/2009
É o mistério do século. O Governo anuncia todos os dias uma chuva de milhões para apoiar as pequenas e médias empresas, mas os empresários continuam a dizer que o dinheiro (ou os apoios, que dá no mesmo) não chega até elas. Devemos ter a canalização rota em qualquer sítio.
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27/3/2009
O caso da empresa de tecnologia de ponta Qimonda é bem o retrato do Portugal Socrático. Depois de ter sido apresentada como o exemplo do Portugal do futuro... faliu.
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15/4/2009
A comparação da situação económica de Portugal com a das nações desenvolvidas da Comunidade só faz sentido com seis meses de espaçamento, o tempo necessário para que cheguemos ao ponto de desenvolvimento da crise aonde as outras estão. Assim, é falácia dizer que a nossa recessão está um pouquinho melhor do que a dos outros. Daqui por seis meses, estará muito, mas mesmo muito, pior do que elas.
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1/5/2009
Se as autoridades não descobrem o que realmente se passou com o Freeport e com a casa vendida à mãe do Primeiro-Ministro por uma "off-shore", a poluição moral do país passará o ponto de não regresso.
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5/5/2009
O mandato governamental por nós entregue ao Partido Socialista e ao Engenheiro José Sócrates foi, até aqui, um mandato de embustes e de propaganda desenfreada. São em catadupa os factos que vêm ao conhecimento público que mostram a verdade da afirmação produzida. A situação do país, por mais desulpas que procurem encontrar-se na crise internacional, é hoje pior do que aquela que tínhamos no início do mandato. Haverá dinheiro que consiga cobrir tamanha decepção?
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9/5/2009
Testemunhas confirmaram a existência de pressões sobre os magistrados públicos, no sentido do arquivamento do processo Freeport. Mais um pormenor a contar-nos a verdade.
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12/5/2009
Dificilmente se encontrará, na história breve da Democracia portuguesa, alguém que tenha contribuído tanto para o descrédito dos cidadãos nas instituições públicas como José Sócrates e a bagunça em que parece ter andado sempre envolvido.
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13/5/2009
Penso que o facto de o Primeiro-Ministro - atingido por tantas e tão graves suspeições, algumas das quais não foram julgadas porque, convenientemente, prescreveram - não se ter demitido justifica e autoriza a sem-vergonha dos inocentes por dúvidas que vamos tendo que não abandonam os seus lugares. Portugal é o império da pouca-vergonha.
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É esta uma pequena história do Portugal contemporâneo. Concluiremos na próxima semana. E o pensamento que mais insidiosamente me preocupa é este: quando é que vamos nós, os cidadãos anónimos, começar a ter vergonha de nós próprios?
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 19/5/2011
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