QUESTÕES SEM RESPOSTA
Leitor amigo fez-me chegar algumas questões que o intrigam e para as quais não serei eu, obviamente, a pessoa mais indicada para lhe dar as respostas necessárias. Poderei, quando muito, fazer eco delas e procurar encontrar vias de pensamento que sirvam para colocar alguma luz sobre elas. As questões eram, fundamentalmente estas:
- Se o Euro está assim tão mal, porque é que não desvaloriza face ao dólar ou desvaloriza muito pouco?
- Os americanos produzem dólares às toneladas e o Mundo está inundado de dólares. O que acontece se houver um colapso do dólar?
- As agências de rating dizem o que interessa aos americanos; para quando uma agência de rating europeia a dizer o que nos convém?
São questões pertinentes. Muito mais pertinentes se pensarmos que o nascimento da crise actual teve na raiz dois factos “americanos”. A falência do senhor Madoff, numa burla absolutamente monumental. Logo seguida da falência do gigantesco banco americano Lehman & Brothers. Consecutivas, com um escasso intervalo entre as duas. Seguiu-se um frenesi imenso por parte das agências de rating, aproveitando das fragilidades existentes em vários países europeus, para um ataque frontal às facilidades de financiamento da Europa com contínuas e rápidas desvalorizações do rating não só desses países como das suas instituições financeiras. Um economista de meia tigela, como eu, não pode deixar de colocar uma nova questão. Sendo certo que a degradação económica ou financeira nunca acontece, por razões naturais, de um momento para o outro, o que andavam a vigiar e a classificar as mesmíssimas agências de rating na fase imediatamente anterior? Isto é, e tomando para o caso Portugal, por exemplo, porque é que escassos dias antes da abertura da crise Portugal tinha uma classificação normal de risco e, subitamente, sem que a nossa economia ou a nossa situação financeira se tivessem alterado significativamente, entramos numa descida vertiginosa na opinião dessas agências de rating, até atingirmos a qualidade de lixo de que hoje desfrutamos?
Dá que pensar, meu Caro Leitor. E dificilmente se escapa a uma teoria de conspiração. Todos estes acontecimentos podem não ser fortuitos, podem não ser resultado do livre funcionamento dos mercados, mas sim induzidos por uma vontade qualquer. Sei que é muito ousado pensar nestes termos. Afinal, os mercados devem funcionar escorreitamente, independentemente da vontade dos homens e apenas em função dos factos reais sucedidos pela acção deste. Mas se não for assim? Se houver a possibilidade, a esta dimensão, de provocar uma série de acontecimentos que induzam o comportamento dos agentes nos diversos mercados? É que tudo isto parece surgir em consequência de um facto primordial, a opinião das agências de rating. E esta opinião não está submetida a um mercado. Surge, apenas. Como economista, sei que a opinião acerca de um agente no mercado por mim emitida pode influenciar o comportamento do mercado para com esse agente. Basta que eu coloque em evidência, segundo me der na gana, os aspectos positivos ou negativos de tal comportamento.
Este preocupante pensamento deve ser condimentado por duas observações. A primeira é a de que Portugal se colocou a jeito da pancada. Governos extravagantes e desgovernados empenharam-nos, para usar um termo mais à altura das famílias. E deram o flanco ao ataque. E, como Portugal, também assim sucedeu com a Grécia, a Irlanda e a Espanha, não estando excluído que a Itália venha a seguir e, logo depois, a França. A segunda observação é a de que Portugal (e qualquer um dos outros países) tem dimensão suficiente para justificar tanta trabalheira dos “conspiradores eventuais”. Pois não. Mas a Europa como um todo e, sobretudo, a sua fortíssima moeda, o Euro, esses têm. Os americanos nunca se conformaram e, provavelmente, nunca se conformarão com a subalternização da sua moeda, um dos meios que usaram (e ainda usam) para controlar o mundo.
Entronca aqui a segunda questão do meu Caro Leitor. O que aconteceria se, subitamente, toda a moeda americana que circula no mundo caísse nos Estados Unidos? Seria tal possível? Bom. Bem vistas as coisas, quando uma moeda como o Euro se vai substituindo nas operações internacionais ao dólar. O que está a acontecer é que os dólares espalhados pelo mundo estão a cair nos Estados Unidos. Dum ponto de vista meramente teórico e especulativo, esse é o destino de qualquer moeda espalhada pelas mais diversas economias acabar no país que a emitiu. Assim configurado, como um súbito cataclismo, o fenómeno descrito não sucederá, obviamente. Mas isso não invalida que estivesse a acontecer lentamente. O que faria com que os americanos, para além de “estarem à hora certa no local do crime”, também tenham um “motivo para o crime”. Já Hercule Poirot nos ensinava: procura o motivo do crime e encontrarás o criminoso.
Resta, assim, saber se os americanos têm algum alibi para a hora do crime, isto é, para os tempos actuais. Um talvez. Uma Europa economicamente frágil não serve os interesses americanos, no momento em que a China se levanta como um gigante por demasiado tempo adormecido. Tem-se a sensação de que uma atitude de enfraquecimento dos europeus, por parte dos americanos, conteria uma boa dose de suicídio. Dentro de alguns anos, só uma organização económica mundial atempadamente construída, com vários pólos economicamente fortes, será capaz de fazer frente à economia chinesa – quem sabe se em bloco com a Índia – representando um terço dos consumidores e produtores mundiais.
Bom, meu Caro Leitor. Deixei vogar a fantasia por entre as margens que me indicou. Poderia complicar um pouquinho mais, imaginando que o papel que acima foi atribuído aos americanos poderia ser facilmente atribuído aos alemães. Será que uma Europa enfraquecida serve os interesses alemães? De hegemonia europeia, seguramente sim. Com utilidade para o confronto geoestratégico? Talvez não. Mas não percamos de vista que o desejo dos alemães sempre foi dominar a Europa e não o Mundo. Para além da fantasia, porém, fica a realidade, na sua dureza nua e crua. E o que a realidade nos diz é que a organização é esta e é nesta que temos de viver. Pelo menos, até que a Civilização ocidental dê uma volta. Já lá vão quase duzentos e cinquenta anos depois da última grande volta conhecida na Europa. Para falar verdade, estou convencido de que, à velocidade a que os acontecimentos se sucedem actualmente, é demasiado tempo.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, EM 7/7/2011
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