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14.7.11

CRÓNICA DA SEMANA - II

EQUIDADE OU INIQUIDADE

Está adquirido que muitas das dificuldades por que passa Portugal têm uma razão que nos ultrapassa. É já por demais evidente estarmos diante de um ataque concertado dos americanos para derrubar essa realidade nascente que são os Estados (des)Unidos da Europa. E, por enquanto, estão levando a sua avante. Note-se a resposta pronta dos atacantes face à primeira onda de resistência vinda da Europa e que revestiu a forma de uma vigorosa censura das agências de rating (americanas) pontas de lança da guerra em curso. Uma resposta pronta e mortal, se as competentes defesas não forem imediatamente activadas. “Ai não estão satisfeitos com o trio Irlanda/Portugal/Grécia? Então tomem lá mais a Espanha e a Itália, para formarem um quinteto!”, pareceram dizer.

Esta é, obviamente, uma guerra que nos afecta imenso, mas na qual não passamos de um dano colateral para os seus objectivos finais. Por causa remota terá o papel que a moeda europeia passou a desempenhar no Mundo, mas tem, naturalmente, uma causa próxima bem evidente, as dificuldades por que passa também a economia americana. A coincidência entre os problemas da administração Obama - gravíssimos também – e os disparos das agências de rating sobre a economia europeia é demasiado bem atempada para ser apenas isso, uma coincidência. E o grande erro europeu foi, porventura, o de tardar muito a aperceber-se dela ou, apercebendo-se, a dar-lhe resposta adequada. A qual tem de assentar numa questão muito simples: entidades como a Moody’s e a Standard & Poors são árbitros de um jogo no qual estão interessadas no resultado final. Imagine o meu Caro Leitor um jogo de futebol Porto/Benfica que fosse arbitrado pelo senhor Pinto da Costa e diga-me se não sabia antecipadamente qual seria o resultado final. Só como exemplo, veja-se o conteúdo de um artigo publicado por Alec Klein, no Washington Post de 24 de Novembro de 2004:

“A carta era polida e perfeitamente negocial, mas algo fez gelar Wilhelm Zeller, presidente de uma das maiores companhias de seguros do Mundo. Os serviços da Moody´s para investidores informava a firma de Zeller – o gigantesco segurador alemão Hannover Re – de que tinham decidido começar a publicar o rating sobre a saúde financeira da companhia sem debitar qualquer custo. Mas continuava dizendo que a Moody’s esperava que a companhia de seguros decidiria pagar por esse rating no futuro.
Na margem desta carta, Zeller rabiscou uma nota urgente para o seu chefe financeiro: “Precisamos de fazer alguma coisa”.
A seguradora de Hannover, que já estava a pagar um cheque com seis algarismos a duas outras agências de rating, disse à Moody’s que não via qualquer valor acrescentado em pagar a uma terceira.
A Moody’s começou a publicar o rating da Hannover, atribuindo-lhe, em anos consecutivos, sempre marcas cada vez mais fracas, insistindo todavia em passar a receber a correspondente avença. Mesmo assim, a seguradora não cedeu. Então, em 2003, não obstante os dois outros “raters” terem atribuído à Hannover marcas confortáveis, a Moody’s classificou os investimentos na seguradora como LIXO. Investidores de todo o mundo, alarmados pela classificação da Moody’s, entraram em pânico, deram ordens maciças de venda e, em poucas horas, a companhia perdeu valor de mercado no montante de cerca de 175 milhões de dólares.”.


Francamente! É com base numa classificação de uma entidade tal que Portugal pode ver comprometidos os seus esforços de reequilíbrio? Como é que uma empresa com tal procedimento não é pura e simplesmente banida do mercado pelas autoridades políticas? Quem é que “come” juntamente com a Moody’s?

Apesar do que acima ficou dito, a verdade é que, tal como disse aqui na semana passada, num artigo escrito antes da celebérrima classificação de LIXO atribuída pela Moody’s a Portugal, o nosso país pôs-se a jeito. Consumindo mais do que podia, gastando mais dinheiro do que tinha e, muitas vezes, mal. Chegados a este ponto, não há remédio. Marcha atrás e rapidamente, porque o abismo está aí mesmo em frente. Deixemos à Europa a guerra que é sua e tratemos da nossa. Sendo certo que tratando de vencer a nossa guerra, estamos a contribuir para que a Europa, de que somos parte, vença também a sua. Mas a justificação da nossa atitude nem sequer precisa de ter essa motivação altruísta. Qualquer que venha a ser o desfecho da guerra Europa/USA, nós só temos a lucrar em, passando agora pelas brasas do purgatório, evitarmos o inferno que se lhe seguiria.

É neste quadro que, a meu ver, se inserem as medidas de sacrifício já adoptadas – ainda muito poucas e muito mais simbólicas que quantitativas – e as que aí virão. E, tal como aqui já disse, tudo o que é necessário é que todas elas venham imbuídas de um espírito de justiça inabalável. Os cidadãos têm de ver, em cada sacrifício assumido, que ele está a ser justo e equitativo. E, para começar, a anunciado imposto extraordinário do Natal, tem de ser muito bem formulado. Escrevo estas notas quando se sabe que o Ministro das Finanças anunciará esta semana como ele se processará. Não sei o que ele vai dizer. Mas entendo que há apenas uma maneira de tal imposto ser justamente distribuído. Se nos limitarmos a tributar o subsídio de natal propriamente dito, só serão atingidos os funcionários públicos, os pensionistas e os escalões mais baixos de rendimento (acima do salário mínimo), os quais não têm modo de mascarar, total ou parcialmente, os seus rendimentos. Assim, entendo que há um modo muito simples de produzir a justiça. O imposto deve contemplar metade de 1/14 avos do rendimento líquido de cada contribuinte em 2010, sendo que este rendimento líquido deve já ser deduzido do IRS que eventualmente foi pago.

Se os nossos governantes tiveram a coragem e o saber de provocar a justiça já neste primeiro imposto extraordinário, ganharão um crédito de confiança dos cidadãos absolutamente necessário para o mais que virá. Nesse sentido, este primeiro sacrifício é um teste. Que, bem respondido, acrescentará muito as nossas possibilidades de sucesso. E, mal respondido, poderá mergulhar o país no confronto social. Daí a sua importância extrema.

E, honestamente, pela indignação mostrada face à Moody´s, os Portugueses merecem ser tratados com equidade e não com iniquidade. Tanto pelas nossas autoridades como pelas europeias.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 14/7/2011

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