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25.10.08

MEMÓRIA

O Senhor Presidente da República fez um inflamado discurso, incitando-nos a sermos patriotas. Não ao jeito antigo, de bandeira, hino, pátria e família, mas sim patriotas modernos. E por aqui se ficou. Modernos. Só que eu não sei o que isso é. Ou melhor, podia saber. Mas tudo quanto temos feito só nos dá motivos para não ser patriota.

Sabe Deus quanto me custa dizer isto. Amo o meu Portugal mais do que tudo. Tenho orgulho de ser Português. Mas, curiosamente, quando a mim mesmo pergunto porque razão tenho orgulho de ser Português, só me lembro da História do meu Povo. Só me lembro das tradições do meu Povo. Só me lembro da época das conquistas que fez este meu país. Só me lembro dos feitos das Descobertas. Só me lembro do génio de meia dúzia de Portugueses, com Camões à frente. Só me lembro da beleza da minha Língua, uma das mais bonitas do Mundo. Mas tudo isto apenas faz um patriota à moda antiga.

Procuro à minha volta, a ver se encontro razões para ser patriota. Moderno. E não encontro. Vejo pretensos grandes do meu país acossados pela Justiça, por serem suspeitos de um crime hediondo. Vejo alguém, em quem o Povo confiou para conduzir os seus destinos, fugir do meu País para não dar com os ossos na prisão. Vejo esse mesmo alguém, com uma desfaçatez incrível, fazer acusações de que os ladrões são outros, em quem igualmente o Povo confiou. Vejo rios de dinheiro a escoarem-se sem lhe ver os resultados a que se destinavam. Vejo os jovens do meu país perdidos na ignorância e na impreparação para serem homens grandes. Vejo ameaças de nos sacarem os recursos marinhos sem termos força para o impedir. Que razões encontro eu, nos tempos modernos, para ser patriota? Tenho uma democracia e mais nada. Mas uma democracia não faz um patriota. Quando muito, dá-lhe jeito para dizer que não encontra motivos para ser patriota. Como eu estou aqui fazendo.

Se eu ainda pudesse ter dúvidas sobre a justeza do que sinto e penso, dois acontecimentos, aparentemente desligados, vieram-me fazer sentir vergonha de ser português. Eu conto como foi.

Primeiro, ouvi a notícia de que a construção dos estádios de futebol destinados ao Euro/2004 já está mais cara do que o previsto em cerca de 500 milhões de euros. Isto é, cerca de 100 milhões de contos. Pagos com o nosso dinheiro. Para agravar mais a minha aflição, ouvi o Senhor Presidente da Câmara de Braga, o socialista Mesquita Machado, justificar o despautério, dizendo que o estádio de Braga ficava mais caro cerca de vinte milhões de contos, que iam ser pagos pela Câmara Municipal. Disse-o com desplante, com arrogância. Como se o dinheiro que a Câmara usa não fosse nosso também. Mas o meu sentimento de aflição ainda se agravaria quando, passados uns momentos, ouvi numa rádio um anúncio, pedindo aos cidadãos do meu país - os tais que já pagam os impostos que políticos loucos estão a gastar com o futebol - para depositarem algum dinheiro numa conta bancária, cujo número se indicava, para, imagine-se, financiar o envio de deficientes às Olimpíadas a eles destinadas.

Corei de vergonha de ser Português. No meu país, gastam-se milhões com uma actividade - o futebol - cujos dinheiros movimentados envergonhariam qualquer país somente remediado; mas não há uns míseros tostões, a não ser mendigando de porta em porta, para enviar os nossos deficientes às Olimpíadas de onde, aliás, costumam vir bastante medalhados.

Pode ser que ainda venhamos a encontrar razões para sermos patriotas modernos, como o Senhor Presidente da República nos pede. Mas não sem que, antes, se dê uma barrela a esta triste vida nacional.

Crónica PATRIOTISMO - Magalhães Pinto - MATOSINHOS HOJE - 14/6/2003

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