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2.9.10

CRÓNICA DA SEMANA (II)

FOGOS DE VERÃO

Eu não sei. Mas penso. E é a pensar que chego a conclusões. Falíveis, naturalmente. Mas são as minhas conclusões. Até que apareçam explicações mais plausíveis, tais conclusões são as mais verdadeiras para mim. E é a pensar que eu acho os fogos de Verão muito estranhos.
No espaço de um mês, milhares de incêndios em Portugal. Faz o país parecer uma tenda de churrasco. Incêndios de manhã. Incêndios de tarde. E, pasme-se, incêndios de noite. É muito incêndio para tão pouca gente. Se não somos todos pirómanos, havemos de concluir estarmos perante uma actividade organizada. E eu não acredito que sejamos todos pirómanos. Mesmo desleixados como somos, parece-me impossível tanto desleixo. Temos estar perante algo que é determinadamente feito. O fogo não nasce espontâneamente. É preciso provocar a ignição, o começo, a primeira chama. Além disso, não nos tornamos mais desleixados assim de um dia para o outro. E, sendo assim, porque é que o número de fogos e as áreas ardidas aumentaram tanto nos últimos anos?
Eu bem sei que são apanhados alguns pobres diabos, meio loucos, uns, vingativos, outros. Mas, francamente, as duas ou três dúzias de tais pobres diabos apanhados são suficientes para provocar tanto fogo? Admitamos que cinco, dez, quinze, trinta por cento dos fogos são por eles provocados. E os outros fogos, como surgem? Leio incessantemente toda a informação surgida a público sobre os incêndios de Verão, procurando entender. E não vejo outra referência que não seja aos pirómanos. A que são devidos os demais incêndios, a maior parte? Ah! Não se limpam as matas! Pois. Mas isso só fornece o combustível. De onde vem o comburente? Como é feita a ignição dos incêndios? Que eu saiba, o calor, ao nível de trinta, quarenta, mesmo cinquenta graus, não incendeia automaticamente o mato, a vegetação seca? Ou será que incendeia? Quem é capaz de me desfazer este mistério que não consigo decifrar?
Depois dos fogos acontecidos, todos se preocupam em atirar as culpas para o vizinho. Primeiro, porque os donos não limpam as matas. Segundo, porque os bombeiros não atacam como devem. Terceiro, porque não há material de combate que chegue. Quarto, porque não há uma política preventiva. Quinto, porque o Ministro não serve para nada. Sexto, porque o calor tem sido insuportável. Eu não sei. Mas penso. E penso que as matas já não são limpas há décadas. E os bombeiros serão porventura melhores agora que no passado. E que se adquiriu muito material nos últimos anos. E, apesar de tudo, algumas políticas têm sido postas em execução. E o Ministro é tão bom ou tão mau como os que o antecederam. E o sempre houve canículas em Julho e Agosto. Por pensar, é que estou mais preocupado com esta questão crucial: porque é que existem agora mais incêndios e mais violentos? Porque é que existem tantos testemunhos de fogos que se iniciam, na mesma mata, em mais de um local simultaneamente?
Santa paciência! Ou me dão respostas mais concretas ou eu vou ficar a pensar que anda muita gente a ganhar dinheiro com os incêndios. Quem, não sei. Mas penso. Só que, neste domínio, tenho que guardar os meus pensamentos para mim. E procurar fazer aquilo que, acho, todos temos que fazer. Estar vigilantes, muito vigilantes. E tentar apanhar quem provoca os incêndios. E, apanhados que sejam, castigá-los exemplarmente. E, castigados, verificar se fazem parte de algum esquema organizado ou não. Talvez não seja difícil averiguar. Como dizia um detective meu conhecido, "saiba-se quem lucra com o crime e temos o criminoso".
Quem seguramente não lucra nada com esta situação é a economia nacional. É a qualidade do ar que respiramos. De um modo mais geral, é o ambiente. Tanta gente preocupada com o cigarro que eu fumo e vai para aí fumo que nunca mais acaba que não pode ser imputado à beata. Voltemos à economia. Será que a economia é mesmo prejudicada? Bom, se todos perdermos com os incêndios, será. Mas se houver alguém que ganhe com eles, talvez não seja. É preciso fazer contas e somar algebricamente o que uns perdem ao que outros ganham. Só então se saberá do real prejuízo dado à economia. É que esta está-se nas tintas se eu perco injustamente e Você ganha. Ela faz as contas globalmente para os dois.
É preciso encontrar respostas urgentes não sobre como se devem combater os fogos de Verão, mas sim respostas urgentes sobre como é que os fogos de Verão se dão. Isso é que é urgente. As primeiras aceitam como os fogos como inevitáveis. As segundas procuram evitá-los. Mas, lamentavelmente, não vejo ninguém preocupado com isso. Já li algures o perfil dos incendiários apanhados até à data. Quem são e porque o fizeram. Tudo bem. Também é necessário saber isso. Mas tanto esses, os apanhados, são os responsáveis por uma parte ínfima dos fogos verificados. E os outros? Volto à questão inicial. Somos todos incendiários ou estamos diante de uma actividade organizada? Temos de olhar os responsáveis políticos nos olhos e dizer-lhes firmemente: queremos respostas. Não, não estamos a falar da resposta aos incêndios. Estamos a falar de algo que surge primeiro: como e porquê os fogos de Verão atingem números incríveis. Milhares de fogos. Por mês. Centenas por dia. Vários por hora. De minutos em minutos. São respostas absolutamente necessárias. Porque, enquanto não no-las derem, temos o direito de pensar que tal não acontece gratuitamente. Temos o direito de pensar que há muita gente a quem interessam os fogos de Verão.
E não adianta dizerem-nos que, no estrangeiro, nos países desenvolvidos, também existem fogos de Verão. Em primeiro lugar, porque com o mal dos outros podemos nós bem, o que nos aflige é o nosso próprio mal. Depois, num país em que o Primeiro-Ministro está sempre a colocar-nos na vanguarda mundial de tudo quanto é inovação, temos o direito de esperar que ele não nos deixe ficar para trás neste mal que é também um profundo desassossego. Pelo menos para aqueles que não se contentam em ser apenas espectadores de um mal enorme que nos vai roendo os cabedais e nos vai roubando a tranquilidade.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 2/9/2010

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