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9.9.10

CRÓNICA DA SEMANA - II

O NÓ DO PROBLEMA

Do diálogo que, através da comunicação social, os dois principais personagens da nossa vida política vêm travando – sob o olhar vigilante de um árbitro que me parece demasiado interessado no resultado – retenho fundamentalmente os seguintes pontos fulcrais:

- Do lado de Pedro Passos Coelho, uma insistência notória na necessidade de haver controlo da despesa pública e estabilização no nível da carga fiscal como condição quase exclusiva para aprovação do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2011; se por convicção íntima de que tal será possível sem tocar – ou tocando muito levemente – nos benefícios atribuídos por um Estado generoso ou por desejo oculto de servir as forças económicas liberais, falta saber;

- Do lado de José Sócrates, uma permanente tentativa de colagem daquelas exigências do adversário ao desejo deste de terminar com o Estado Social (vulgo, Socialismo), donde derivaria uma crise política absolutamente indesejável neste momento; tentativa a que ele, Sócrates, se opõe vigorosamente, colocando no aumento dos impostos – a redução de benefícios fiscais é um aumento da carga fiscal – a tónica da resolução das dificuldades financeiras vividas pelo país.

Isto é, parece termos reduzido a uma dicotomia muito simples o debate político: aumentamos os impostos ou reduzimos a despesa do Estado? E será que isto é uma alternativa séria? Será que qualquer um dos seus termos é exequível? Note-se que a questão é posta tendo em conta a manutenção de um nível de vida aceitável para todos os cidadãos, por muito baixo que seja esse nível de vida.

Sabemos que, infelizmente, o debate político está reduzido, em Portugal, a este jogo de espelhos onde nada do que é parece e onde só o que parece é. Consequência, porventura a ficar para sempre, de termos na liderança política do país dois “jovens” que da vida pouco sabem ou, o que sabem, é feito de arranjos e serviços. Os argumentos usados para defesa das ideias são frágeis e, porque são assim, facilmente deturpáveis. Os governados assistem ao surgimento de novos problemas todos os dias, sem bem saberem como foi possível chegar até aqui, depois de uma década – 1990/2000 - em que pareceu termos arrancado de vez dos patamares da indigência e da falta de capacidade de auto-sustentação. A vida política, económica e social de Portugal, neste terminar da primeira década do novo milénio, é um nó górdio cujo desatar começa a parecer impossível.

Ciente de que todas as achegas serão úteis para ver claro, decidi fazer uma pequena – mas esclarecedora – análise por uma das vertentes em discussão, a da carga fiscal. Ver como ela evoluiu na Europa, nas últimas décadas, e cotejar com o sucedido em Portugal. Os dados para a análise, cobrindo o período que vai de 1975 a 2008, estão contidos no quadro anexo. Basta lê-los e colocá-los em paralelo com a trajectória de Portugal, para chegarmos, a meu ver, a conclusões interessantes.

E por eles se vê:

- Em 1975, a carga fiscal em Portugal não chegava a 20% do PIB (Produto Interno Bruto) e a nossa economia era a quarta com a absorção mais baixa, entre os dezoito países analisados; com carga fiscal mais aliviada só havia a Espanha, a Grécia e a Turquia;

- Nessa época, os países com carga fiscal mais elevada eram os nórdicos, com o Estado Social bem desenvolvido; os seus cidadãos pagavam caro o Estado que tinham mas dele recebiam benefícios que se assemelhavam a um seguro de enorme qualidade;
- A carga fiscal em Portugal tinha, então, um peso na economia de menos de metade do existente no país de carga fiscal mais pesada, a Suécia;

- Entre 1975 e 2008, a carga fiscal em Portugal quase duplicou, relativamente ao PIB: a absorção da produção nacional passou a ser apropriada pelo Estado em mais cerca de 85%;

- Apenas na Turquia a evolução, neste domínio, foi mais gravosa do que em Portugal; mas este facto carece de significado muito relevante porque, à partida, a carga fiscal na Turquia era irrisória e quase metade da verificada em Portugal: só 11,9% do PIB ia para impostos;

- Quando comparamos Portugal com um país europeu que se presta, quer pela sua dimensão demográfica e económica quer pelo seu estádio de desenvolvimento e fiscal à partida, a Irlanda, vemos que esta foi muito menos violenta nos impostos e conseguiu muito mais;

- Ao chegarmos a 2008, vemos que Portugal passou de quarto com carga fiscal mais baixa para oitavo;

- Se analisamos o ritmo de crescimento dos impostos em Portugal com o dos restantes países europeus, vemos que só a Turquia, e com o diminuto significado já descrito, viu a sua carga fiscal crescer mais rapidamente; Portugal é o campeão quase absoluto de aumentos fiscais;

- Todas estas conclusões serão, provavelmente e atendendo ao que se verificou neste domínio por toda a Europa, muito mais graves quando em cima da mesa estiverem os dados relativos a 2010.

Cabe aqui uma pergunta a fazer aos diferentes gestores políticos que tivemos até hoje: que fizeram eles deste aumento brutal da carga fiscal que passou a recair sobre os cidadãos? Desenvolveram a economia a ponto de termos diante de nós um futuro mais risonho? Não. Dotaram o país de bases que permitam esse desenvolvimento no futuro mais ou menos próximo? Não, se descontarmos as auto-estradas mesmo que nestas incluamos as SCUTS que ainda vamos pagar com impostos futuros. Desendividaram o país, de modo a ficar um peso menor para as gerações vindouras? Não. Modernizaram o país? Não significativamente. Então que fizeram a essa progressão brutal da carga fiscal? Derreteram-na. Deixando provado algo que, na discussão agora tida entre os dois líderes, permite chegar a uma conclusão:

A avaliar pelo passado, quanto mais impostos forem cobrados maior vai ser o despautério na sua aplicação. Estamos longe de ser o bom aluno dos sistemas desenvolvidos que, um dia, algum desprecavido ousou afirmar que éramos.

Temos a obrigação imperiosa e patriótica de secundar quem, na praça pública, diga: fim ao aumento de impostos. O país não suporta mais sanguessugas. E não á estabilidade política, social ou económica que valha continuar à disposição de quem não sabe governar. Ou melhor, que só sabe governar gastando à tripa forra porque o gasto não lhe custou uma só pinga de suor a ganhar.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 9/9/2010

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