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3.12.10

CRÓNICA DA SEMANA

SOLIDARIEDADE

No passado fim-de-semana, tivemos o gosto de ver, por todo o país, a enorme onda de solidariedade popular desencadeada pelo Banco Alimentar Contra a Fome, com a recolha de alimentos e donativos destinados a acorrer às necessidades mais prementes de todos aqueles que, com a crise que vai por aí, se sentem relegados para patamares de quase indigência. Foi bonito de ver e permitiu apreciar que, quando a necessidade chega, também não falta a solidariedade.

Perdoem-me, todavia, os colaboradores mais maduros da iniciativa, que eu faça um destaque que me parece do mais profundo significado. Tem a ver, este destaque, com a quantidade de jovens que trabalharam naquele fim altruísta e solidário, abdicando de divertimentos e ocupações mais próprios da sua idade. Foi uma manifestação de responsabilidade e solidariedade que nos deve fazer reflectir um pouco.

Num tempo em que os jovens são, muitas vezes, acusados de viverem uma vida sem objectivos de grandeza e viverem mergulhados na alienação das drogas e do gozo material, esta sua dedicação a um programa de ajuda social mostra que nem tudo está morto, neste Portugal que um numeroso grupo de ineptos quase destroçou. Se tivéssemos de eleger um símbolo dessa réstia de esperança que o facto notifica, eu escolheria aquele jovem português que, tendo buscado na vizinha Espanha a possibilidade de um futuro, já há seis anos que se desloca a Portugal nesta altura, para colaborar na iniciativa. Quase estou tentado a dizer que o seu país construído pelos políticos sem horizontes e sem projecto que temos tido, não o merece. O facto ganha ainda mais relevo quando um inquérito, recentemente publicado, mostra que o único objectivo pessoal que muitos estudantes têm é terminar o seu curso para imigrarem e buscar noutras paragens o futuro que o seu país não consegue dar-lhes. Os mais jovens olham em seu redor e vêm aqueles que se encontram uns passos mais à frente na senda da vida desempregados, sem horizontes, despojando os seus pensamentos e objectivos na falta de oportunidades, e descrêem.

Os factos mostram que, se Portugal não tem futuro, tal não se deve aos seus jovens. Mostram que se alguns deles se perdem nas futilidades desta sociedade de consumo é porque nós, os mais velhos, não somos capazes de lhes disponibilizar projectos concretos nos quais toda a sua generosidade e todo o seu idealismo se possam realizar e satisfazer. Não somos capazes de desenhar uma visão do futuro que lhes permita prosseguir com êxito esta nossa Nação com tantas virtudes afogadas no interesse material, nas ambições de Poder egoísta, na inépcia de governantes que tratam de tudo menos dela.

Uma outra nota ressalta do que nos foi possível observar no último fim-de-semana. A natureza verdadeiramente humilde de muita gente que oferecia a sua dádiva. A demonstrar que são sempre os mais humildes os mais solidários. Do pouco que têm ainda oferecem alguma coisa. A lembrar a parábola cristã do óbolo da viúva. A lembrar quanta generosidade desperdiçada pelos (maus) timoneiros deste nosso barco.
Se não fosse por mais nada, a ideia do Banco Alimentar Contra a Fome (uma ideia multiplicada tantas vezes quantas as possíveis, mas sabiamente articulada) já justificaria a sua existência. Imagine-se a sua utilidade neste domínio com a audição de um jovem a dizer: “chegamos aqui desconhecidos uns dos outros, no entanto agimos imediatamente como um grupo; e, no fim, saímos daqui todos amigos.”. Que belo aproveitamento da generosidade juvenil que, de outro modo, estiolaria. Magnífico objectivo conseguido! Todavia, o Banco vai muito mais longe, apesar da sua ainda juventude – ainda não tem vinte anos. Anotem-se dados relativos a 2009:

. 17 Bancos regionais formam a Federação Nacional;
. 26.000 toneladas de alimentos recolhidos;
. 1.700 instituições apoiadas;
. 270.000 pessoas assistidas;
. Uma média de cerca de 100 quilos de alimentos distribuídos por pessoa;

Como deve sentir-se feliz o Comandante José Vaz Pinto, fundador do primeiro Banco Alimentar de Portugal (em Lisboa). Tanto mais quanto, na sua primeira diligência para fundar o banco – uma entrevista, em Paris, com o presidente do congénere francês – ouviu da boca deste a informação de que, procurando ele promover o aparecimento do primeiro Banco Alimentar em Portugal, lhe fora dito que Portugal não precisava “disso”. Uma felicidade segura e permanentemente ensombrada não apenas pela dimensão das necessidades a satisfazer, mas também do especial agravamento que estas presentemente conhecem, numa progressão que o crescimento das angariações dificilmente compensará. Mas tem razões para conhecer essa felicidade ainda que mitigada. Não só pelo êxito da iniciativa que em 1991 teve, não apenas pelo papel evidentemente relevante da sua obra para que os portugueses não sejam ainda mais infelizes, mas também e sobretudo por ver que mereceu a pena confiar na solidariedade dos seus concidadãos. Bem hajam, ele e todos os que o secundaram. Um esforço com o qual todos devemos cooperar. Para que nem tudo esteja perdido neste nosso Portugal à deriva.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 2/12/2010

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