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22.7.08

OS HERÓIS E O MEDO- 331º. fascículo

(continuação)

Mário passa o tempo às voltas. Calcorreando, como um prisioneiro numa cela, as curtas ruas de Mansoa, tantas vezes percorridas. Conhece-lhes todos os recantos. E tem um favorito para uma cavaqueira diferente da sempre igual usada com os companheiros. O Mussá. Gosta de conversar com ele. “Corpo di bô, tá bom?”. É o ponto de partida para demorada conversa com o ancião. Mussá é bom conversador. É profundo. E a sua serenidade faz bem ao espírito atormentado de Mário. As sua frases, num crioulo perfeitamente inteligível, parecem as folhas dum mangueiro em tarde de entre-estações. A sua agitação é quase imperceptível. A sua sabedoria é simples. Pressente, mais do que sabe, terem muito pouco a ver com as suas necessidades pessoais os interesses que transformaram aquela terra pacífica num pandemónio de ferro. Para ele, é indiferente quem manda. Tudo quanto Mussá quer é viver tranquilamente o tempo em falta para que, na tabanca, o choro celebre a sua viagem ao encontro dos antepassados. Sabe ser a neutralidade a pior das alternativas. É ser bombo em festa alheia. É viver, diz ele, pendurado num frágil fio, como os que tece, sobre um poço. No fundo do qual, goelas escancaradas, está o crocodilo hediondo da guerra. Por isso, hão-de caminhar cautelosos, camaleões vacilantes, balanceando os passos na mira de apoio firme a cada um deles. Não compreende porque deixaram aqueles rapazes brancos as suas tabancas, lá longe, depois do mar, para se virem meter num barulho que não é o deles. Se eles, os guinéus, a viverem ali desde o tempo da mãe da mãe, se colocavam à margem do conflito, porque vinham outros, de tão longe, meter-se num conflito que não era o deles, tantos para morrer? Lá longe, no Portugal, devia haver choro todos os dias.

(continua)
Magalhães Pinto

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