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27.11.09

CRÓNICA DA SEMANA - II

ESPERANÇA

Precisa-se. Como de pão para a boca. Urgentemente. Estamos como o náufrago no meio do oceano. Não vemos nada até aonde a vista alcança. E a última tábua a que nos agarramos é a possibilidade de ver um navio surgir na linha do horizonte.

Olhamos o desemprego. A crescer a olhos vistos. E falam-nos as notícias de que, recuperação, só lá para depois de 2014. Isto é, daqui por cinco anos. Só um crescimento económico superior a 2,5% inverterá a situação de modo sustentado. Isto é, é preciso passarmos da nossa recessãozinha de decréscimo, de 2,7% este ano (na melhor das hipóteses), para um crescimento de 2,5%. Cinco pontos percentuais, a recuperar nos próximos cinco anos. Isto é, mais ou menos 1% ao ano. Parece pouco. Parece ser de molde a dar-nos esperança. O problema é que, até chegarmos a essa quase mítica situação, o desemprego continuará a aumentar. A caminho do milhão de desempregados. E cada desempregado que criamos trava a marcha em direcção à tal recuperação de 1% ao ano. Recordo que já vivemos, no passado mais ou menos recente, uma situação parecida. Andávamos lá pelos finais dos anos setenta. Com o FMI dentro de casa, por via das dúvidas de que pudéssemos ser viáveis. Na altura, encontrámos uma solução. Foi relativamente simples. Dar uma casa a todos os portugueses. Mobilizaram-se os bancos. Mobilizaram-se os terrenos. Fizeram-se projectos. Arranjou-se crédito fácil. E os Portugueses alinharam na ideia. Desatamos a comprar a nossa casa. E construíram-se muitas casas. E houve trabalho para todos. Hoje, os Portugueses já têm casa. Acontece mesmo que estão a perdê-la. Vamos lá mobilizar as ideias. Que é que podemos produzir para os Portugueses comprarem? Chego a pensar – eu que sou contra elas - que as grandes obras (TGV, aeroporto, mais estradas) podem ser a solução. Serão? Com dinheiro emprestado, claro, que “eles” não o têm. E se encontrarmos a ideia talvez possamos ver o tal navio no horizonte. Em lugar de ficar a ver navios.

Para minorar os estragos da situação ao nível do emprego, o Estado mobiliza o que tem e o que não tem. Os apoios sociais têm sido razoáveis. A um preço de que só nos aperceberemos aí para a frente. O Estado tem um défice financeiro astronómico. E quem não embolsa o suficiente para o que gasta fica a dever. Mantenhamos a perspectiva correcta. O Estado somos todos nós, Isto é, ficamos a dever. E quem fica a dever tem que pagar, mais tarde ou mais cedo. Já nem falo nas imposições da Europa. Embora elas possam vir a perturbar muito a nossa vida, num futuro próximo. Falo na situação da tesouraria. Espaço para mais impostos parece não haver. Pelo menos até ao tal longínquo ano de 2014. Será que temos que apelar ao patriotismo dos que ainda podem e consolidar uma dívida de todos, a muito longo prazo? Uma espécie de suprimentos feitos à sociedade de todos nós? Algo que sirva de balão de oxigénio para aguentar o doente até que o diagnóstico esteja bem feito, a medicação escolhida e a saúde recuperada?

Era capaz de não ser má ideia. Se para isso tivéssemos confiança em quem administra. Isto é, sem confiança não vamos lá. E para que tenhamos confiança é preciso que haja – como acaba de dizer Manuel Alegre – decência. Ora aí está algo difícil. Porque a decência é como a inocência. Uma vez perdida, nem na secção de Achados da Carris se encontra. Leitor amigo desta coluna acaba de me sugerir uma ideia que tem tanto de ingénua como de oportuna. Se calhar, precisamos de atacar os nossos males colectivos com alguma ingenuidade porque, com sabedoria e experiência, viemos até onde estamos. Diz ele que devíamos ter uma lista pública de “gente em quem confiamos”. Ele tem já concebido o modo de fazer. Eu vislumbro uma grande lista de gente pública – assim do género da que o Ministro das Finanças fez para os devedores ao Fisco, com página na Internet e tudo – em quem os Portugueses votariam segundo uma escala de confiança que lhes merecem. Assim a modos daquelas votações que as revistas de fofocas fazem para eleger o mais elegante ou o mais sexy. Só que, desta vez, 0para algo sério e útil. Nós votaríamos no mais confiável. Seria uma boa fonte de consulta para governantes, autarcas, administradores de empresas públicas, etc.. É capaz de ser uma boa ideia. Que pensa o meu Caro Leitor? Estaria disponível para gastar um minuto da sua vida para nos dizer o que pensa?

Reconheço que a ideia do nosso Leitor e Amigo está carregadinha de ingenuidade. Mas é uma ideia de quem ainda não perdeu de todo a esperança. Esperança de que, no universo público, há ainda gente em quem podemos confiar. Esperança de que os Partidos, designadamente os que ocupam transitoriamente a cadeira do Poder, são capazes de desafiar as clientelas respectivas e procurar, para o trabalho que é preciso fazer, aqueles que merecem a confiança do Povo. Esperança de que a Democracia é algo que vai para além do voto em eleições. Três esperanças que têm razão de ser. Porque, seguramente, há ainda, no país, gente em quem podemos confiar. Porque, apesar de tudo, os Partidos conheceriam a imagem pública daqueles que pretendem nomear para cargos públicos e, por tabela, conheceriam os efeitos, sobre a sua própria imagem, das designações que fazem. Porque, efectivamente, a Democracia é, tem que ser, mais do que um voto.

Julgo saber o que está a pensar o meu Leitor de hoje. Que não vale a pena. Que, quando vemos os tratos de polé que leva a nossa réstia de confiança, oriundos daqueles que tudo deviam fazer para não deixar apagar a ténue chama da nossa esperança – incluindo a clara e destemida revelação de factos que se diz serem anódinos mas que por aí se desconfia que o não sejam – já nada mais há a fazer. Mas essa é uma atitude errada. Porque equivale à assinatura da nossa sentença de suicídio. Colectivo. Devemos ter, apesar de tudo, a certeza de que, com o tempo, não haverá lugar para os bufões que pululam na nossa sociedade. Para os devedores de promessas. Para os contadores de histórias. Para os oportunistas. Para os vigaristas. Para os corruptos. Para os mentirosos. Todos eles serão, com o tempo, varridos para o balde do lixo social. Temos que acreditar nisso. Mais, temos que fazer força para que assim seja. Somos useiros e vezeiros a afirmar que temos que deixar para os nossos filhos, pelo menos, aquilo que os nossos pais nos deixaram. Referimo-nos sempre ao ambiente físico. É preciso que tal se aplique, também, ao ambiente moral.

É por isso que o meu escrito de hoje leva este tom. De esperança. Da esperança de que carecemos mais do que pão para a boca, nesta hora de dificuldades. Com urgência. Mais do que nunca, não podemos deixar para amanhã aquilo que podemos – e devemos – fazer já hoje.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, em 26/11/2009

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns!