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18.2.10

CRÓNICA DA SEMANA - II

PLANO INCLINADO

Julgo que não será muito significativo o número de portugueses disponíveis para assistir a um debate como o que se verificou, no passado dia 15 e na SIC/NOTÍCIAS, com Mário Crespo, Nuno Crato, Medina Carreira e João Salgueiro, no programa que empresta o nome a esta crónica. Isto de passar cerca de uma hora, (in)tranquilamente sentado frente ao televisor, a assistir ao diagnóstico da situação actual do nosso país não é, seguramente, um programa agradável para o Carnaval. Melhor assistir ao desfile de modeladas esculturas num qualquer corso do que ao escalpelo da tragédia social para a qual nos vamos insensivelmente encaminhando. Um escalpelo realizado por afiados bisturis e que, em minha opinião, colocaram, com uma precisão notável, a lâmina no pus. Sem estarem muito preocupados com este ou com aquele Governo, com este ou com aquele Partido, com esta ou aquela pessoa. O que valorizou as intervenções. Para os que queiram ainda assistir a essa notável reflexão, deixo aqui o endereço electrónico de sítio onde podem fazê-lo:
http://sic.sapo.pt/online/video/informacao/plano-inclinado/ 2010/2/palno-inclinado15-02-2010-122816.htm.

Para os que não estejam muito propensos em passar por essa sinecura, não me coíbo de chamar a atenção para algumas (não todas, porque aqui não cabem) das importantes ideias que por ali perpassaram. Como pano de fundo de toda a discussão, o objectivo essencial de responder a estas duas questões: onde estamos e como podemos sair daqui?

Um primeiro momento de análise debruçou-se sobre a qualidade da informação de que dispõem os Portugueses. E o diagnóstico foi pungente. A começar pela influência do Estado na comunicação social. E foi Nuno Crato a disparar a primeira ideia base:

“Toda a gente percebeu dos acontecimentos recentes, independentemente da verdade dos factos, que o Estado tem um poder económico tal que pode controlar a comunicação social.”

A que Medina Carreira juntou um pensamento lapidar que, se assumido por todos como axioma que é, evitaria muito das discussões a que o nosso dia-a-dia se vem submetendo:
“Eu não preciso de muita coisa para ter suspeitas. Se o Engº. Sócrates foi a um congresso apontar uma estação de televisão, que era a TVI, e a páginas tantas saltaram o José Eduardo Moniz e a Manuela Moura Guedes; e apontou o José Manuel Fernandes, do Público, e este saltou, eu não preciso de muitas discussões, nem políticas nem jurídicas, para saber que é óbvio que houve pressões.”

Perguntar-se-á que de fundamental terá esta questão, assim colocada, para o futuro do país. Claro que tem. Porque, supostamente, os Portugueses são chamados a decidir sobre o seu futuro e, para que o façam em consciência plena, têm que estar bem informados. Ora, a situação descrita cerceia-lhes essa possibilidade. Induzindo-os nas más decisões pela deficiente informação de que dispõem. Deficiência que se verifica a dois níveis: na sonegação de informação e na manipulação de informação. Como os participantes naquele debate devidamente clarificaram com exemplos, como a sonegação verificado no caso da comunicação social, onde o Primeiro-Ministro se deu ao luxo de mentir ao Parlamento, ou como no caso do défice público em 2009 (9,3% do PIB), o qual foi apresentado no Parlamento como “devido ao esforço para apoiar as empresas”, quando o Ministro das Finanças tinha dito anteriormente que “o agravamento do défice era devido à quebra das receitas fiscais”. Um exemplo de manipulação da informação. Uma manipulação que Medina Carreira colocou em destaque ao produzir uma afirmação impiedosa:

“Andamos a mentir ao país com as Novas Oportunidades e coisas do género. O Goebbels (ministro da Propaganda de Hitler) seria hoje, em Portugal, um menino de coro.”

Os intervenientes debruçaram-se sobre os problemas com que Portugal se debate presentemente. Avultando o défice do sector público (e concomitante dívida pública) e o desemprego. Sendo visíveis as dificuldades de sairmos duma situação tal – como, aliás, já aqui nesta coluna tivemos ocasião de analisar, por exemplo, ao colocar em evidência a improbabilidade de recuperação do défice público (e, por isso, da dívida) –, coube a Mário Crespo colocar a pergunta essencial do debate:

“As pessoas que, neste momento, dirigem o país estão em condições de levar para a frente um projecto de reabilitação como o necessário?”

Uma questão que deu lugar a duas respostas antagónicas. Uma, céptica, de Medina Carreira; e outra, esperançosa, de João Salgueiro. Medina Carreira de quem podemos resumir o pensamento essencial nestas suas palavras:

“Hoje, a nossa classe política não tem experiência em coisa nenhuma; assentaram praça no Estado, depois passaram para a primeira fila dos deputados e depois vão a secretários de estado ou chefes de gabinete. Isto não tem solução, pela forma de recrutamento do pessoal político. Os partidos geram gente de pouca qualidade para a governação. O sistema representativo é um sistema viciado, porque o eleito é nomeado pelo chefe. Ninguém conhece duzentos daqueles deputados que lá temos. Nesta forma de recrutamento não se vê forma de mudar. Essa ideia de que podemos requalificar a política sem requalificar os partidos é uma ideia sem viabilidade.”

Não é possível deixar de dar-lhe razão. Não é necessário meditar muito para concluir da degradação que se deu na qualidade dos quadros políticos. Arrepio-me ao ver como José Sócrates conduz o país, mas arrepio-me ainda mais ao imaginar que o seu substituto pode ser esse jovem inexperiente, exactamente produto do sistema denunciado por Medina Carreira, chamado Pedro Passos Coelho. Isto é, em todo o seu dramatismo, a confirmação da teoria de Medina Carreira, quando afirma:

“A Lei Eleitoral não muda porque o PSD e o PS não querem mudá-la. Porque aqueles que lá estão querem continuar a estar lá.”

A este quadro de derrota opôs-se uma visão mais optimista de João Salgueiro. De um optimismo que tem subjacente uma confiança enorme nos Portugueses. Uma confiança que eu não sei se está cabalmente justificada pelo comportamento de sempre. Um comportamento que, quando considerado colectivamente, assenta na ausência de uma capacidade analítica crítica que os faça forçar os acontecimentos. Disse ele:

“Parece-me que, paradoxalmente, estamos num momento feliz. Porque os Portugueses têm agora uma situação em que podem perceber claramente problemas que estavam a ser anunciados. Os Portugueses hoje sabem que vão ter que mudar de vida.”

Num ponto parecem coincidir os dois excelentes economistas. Quando reduzimos ao máximo divisor comum os diferentes problemas que nos afectam, encontramos a organização política do nosso sistema democrático como totalmente responsável. Não sairemos deste estado pré-comatoso se não mexermos aí. E, parecendo certo que os políticos actuais não o farão de boa vontade, então temos que ser todos nós a forçar os acontecimentos. Temos de exigir-lhes, sob pena de não poderem contar connosco – nenhum deles! – que mudem o sistema eleitoral. Que modifiquem a respectiva lei. Que sejamos nós a escolher os nossos deputados e não os líderes dos Partidos. Que sejam em muito menor número os funcionários políticos pagos pelo Estado. Que cada candidato tenha que ser ele – e não o Partido – a recrutar os meios de financiamento da sua candidatura, incluindo aquilo que é financiado pelo Estado. Ou, então, fiquemos alegremente a ver os coveiros a cavarem a nossa sepultura colectiva.

Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, EM 18/2/2010

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