O DESASTRE DA MADEIRA
Foi preciso uma desgraça para que a gente se entendesse. Não é caso único na nossa História. Mas sabe bem ver toda a classe política nacional (que na regional já não é a mesma coisa) unida na solidariedade para com os madeirenses. Um fenómeno que comporta uma lição para o futuro. A unidade em torno de um grande objectivo humano também é possível em Portugal. E o primeiro a entender isto foi Alberto João Jardim, que subitamente perdeu o seu ar truculento e ficou suave como um anjo. Curiosamente, escassos quinze dias depois de muita gente lançar raios e coriscos sobre o dinheiro que se enviava ou não para aquela parte do território nacional, ninguém discute agora o esforço que é preciso fazer para acorrer aos que foram atingidos pela desgraça.
É bom que não esqueçamos esta lição. Porque temos aí, já quase à nossa frente, uma desgraça de outra natureza. A situação económica de Portugal é pouco menos do que desesperante e desesperançada. Não se vê modo de como diminuir o desemprego. O que força a existência de grandes gastos sociais para acorrer aos desvalidos da sorte. A contribuir para o descalabro das finanças públicas. O que, para além de desobedecer às exigências da Comunidade Europeia, tem por consequência a subida da dívida pública portuguesa e, a prazo, a eventual suspensão de pagamentos internacionais. Se – ou quando – isso acontecer, o descalabro será generalizado. Temos na Argentina de há poucos anos atrás um exemplo do que sucede numa tal circunstância. Os sofrimentos sociais são inenarráveis. E teríamos certamente, tal como ali aconteceu, um período de grande agitação social.
Ora, é minha convicção de que só não chegaremos aí se encontrarmos forças que nos conduzam à união. É urgente que tenhamos uma sociedade menos conflitual e que unamos os nossos esforços no sentido de caminhar para algum lado. Sedentos de poder, os políticos não entenderão, eventualmente, esta necessidade. Ou tenderão a fazê-la submergir no oceano das suas ambições particulares. Mas não são os políticos os detentores do poder. É o Povo, somos nós todos, quem manda. Algo que é preciso afirmar sem deixar margem para dúvidas. Se os políticos não sabem o caminho a trilhar, temos de ser nós a dizer-lhes. Queremos entendimento em redor da recuperação nacional. Estamos disponíveis para os sacrifícios necessários só, e apenas só, eles estiverem decididos a seguir a senda correcta. E teremos a coragem de enviar para a rua quem não estiver de acordo com isso.
As imagens que nos chegaram – e ainda chegam – da Pérola do Atlântico fariam doer a alma. Desde logo pelas vidas que se perderam. Mas não só. A dor acentua-se quando nos recordamos de como era a cidade do Funchal antes da tragédia e comparamos a recordação com a feia e suja realidade de agora. O jardim é um lamaçal. A destruição atingiu um grau que se pensaria inimaginável apenas com a água da chuva. Aliás, a primeira estimativa, a grosso, de prejuízos no valor de mil milhões de euros diz bem da destruição de bens verificada. Mas a fibra dos madeirenses é admirável. Dos naturais e de quem por lá vive, mesmo não sendo natural. A resposta própria dos atingidos pela adversidade é notável. Como, talvez, a mensagem seguinte, recebida de uma senhora conhecida (estrangeira), que ali estava, me traduziu nesta mensagem singela que eu coloco tal como me chegou:
“Peço desculpa para o meu portugues, mas tentei o melhor possível. Há momentos foi estabelecida a internet e televisão aqui em casa, mas em casa da outros familiares não há água. Uma colega da minha filha foi este tarde evacuada da casa na Ribeira Brava pelo exército, visto que ainda não deixou de chover e há ainda muito vento forte. Creio que as equipas que estão a trabalhar 24h por dia já vão ter o Funchal a 100% em breve. A baixa da cidade não tem electricidade e já houve tentativas de pilhagem em ourivesarias!! Imagina, que no continente, nem é preciso haver um desastre para as lojas estarem em perigo a luz do dia. Mas o policiamento na baixa do Funchal esta completamente reforçada. Em breve Madeira há de cheirar a flores outra vez!!”.
Como é habitual, nestas circunstâncias, a oposição local pôs a boca no trombone. Pelas razões de sempre. O urbanismo permitido pelas autoridades locais e o encanamento de ribeiras. Bem secundada, a oposição, pelos ambientalistas. Não tenho qualquer autoridade na matéria, a não ser o bom senso do cidadão comum. Tenho as imagens e, quando confrontado com os argumentos dessa oposição, procuro fazer o que qualquer mente bem intencionada deve fazer. Isto é, tentar imaginar o que seria se não se tivessem verificado os “defeitos” apontados. O que é sempre muito difícil e joga a favor dos críticos. É sempre muito fácil afirmar – sem qualquer prova, pelo menos até ao momento – que as coisas poderiam ter sido muito diferentes.
Na enxurrada financeira e económica que começa a assolar o país, seria bem possível que o sucedido na Madeira apenas agravasse a situação. Inteiramente dependente do turismo, o pior que lhe podia suceder seria o pandemónio de sábado passado e a imensa destruição produzida e que tal fosse apresentada à opinião pública mundial como algo que haveria reduzido a Madeira a um monte de escombros. Lá se iriam as receitas do próximo Verão. Não faltou quem gritasse pela declaração do estado de calamidade pública para aquele território. E foi nesse momento que Alberto João Jardim surpreendeu. Numa das suas primeiras intervenções após a tormenta, Jardim não se coibiu de pedir aos jornalistas para terem cuidado com o modo como iriam apresentar a catástrofe perante o mundo. E recusou-se a declarar a calamidade pública. Uma atitude muito mal compreendida por muitos e que muitos jornalistas exploraram como mais uma “bizarria” do homem da Madeira. E – mesmo descontando que a declaração de calamidade só serviria, eventualmente, às companhias de seguros – a declaração de Alberto João Jardim foi perfeita. Verão a sorte que os madeirenses tiveram por terem como seu Presidente este homem decidido, corajoso, de tantas acções quantas palavras. Não tenho dúvidas de que a recuperação da Madeira será muito mais rápida do que tudo quanto se podia fazer (se fez ou se faz) no Continente. E, para aqueles que ousaram censurá-lo por pedir a não dramatização do que já era em si mesmo dramático, apenas o lamento de não terem o discernimento e a visão de futuro do grande estadista que Jardim é. Um discernimento e uma visão verdadeiramente Pombalinas. O Marquês disse, aquando do terramoto de Lisboa de 1755, "vamos enterrar os mortos e, depois, cuidar dos vivos". Jardim não perdeu, numa hora seguramente muito mais dramática para ele do que para qualquer dos seus censores, a visão do futuro da Madeira. “Enterremos os nossos mortos, limpemos as nossas ruas e casas e vamos fazer a Festa da Flor já em Abril próximo”. Bem hajas, Alberto João. Força, madeirenses. Sois hoje um exemplo para o continente.
Magalhães Pinto, em VIDA ECONÓMICA, EM 25/2/2010
1 comentário:
Não há dúvida que o AJJ deu o seu melhor a sua ilha Madeira, que ele ama profundamente, e o povo da Madeira sabem e sentem o amor dele por eles. Mas finalmente este homem forte, tive de ser assistida no hospital, porque, como qualquer outro ser humano, ele também não é feito de ferro, e como todos nos, quem viveu o terrível drama do sábado na Madeira, sofre de stress pós-traumático. AJJ é um ser humano, com sentimentos e um enorme sentido da responsabilidade, pelo seu povo, pela sua ilha, e em especial, pelo futuro sobrevivência económica da Madeira e os Madeirenses. Admiro profundamente este povo e o seu líder AJJ!!
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